Resumo apresentado para o professor Paulo Sérgio na disciplina de Deus da Revelação em 2007.
Por: MM
Félix Alejandro Pastor é espanhol de El Ferrol Galícia. Nasceu em 1933 e, em 1950, ingressou na Companhia de Jesus (Jesuítas). Concluiu seus estudos literários em Salamanca, obteve licenciatura em Filosofia pela Universidade de Comillas. Em 1957, iniciou uma experiência pedagógica e apostólica em Belo Horizonte. Iniciou os estudos Teológicos em São Leopoldo e concluiu em Frankfurt (Alemanha). Na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma) obteve o Doutorado, em 1967, onde, logo em seguida, exerceu o Magistério Teológico colaborando com o Pontifício Colégio Pio Brasileiro de Roma, com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e com a Faculdade de Teologia do Instituto Santo Inácio de Belo Horizonte.
A epistemologia teológica estuda pressupostos e princípios, critérios normas da lógica do saber teológico nos quais o exercício da teologia se torna objeto da própria reflexão. O problema central focalizado emerge da tensão inevitável entre querigma e logos, entre fé e razão. A epistemologia tem por finalidade elaborar pressupostos e princípios, gnoseológicos e hermenêuticos, do conhecimento teológico. Normalmente o discurso se fragmenta em diversos tratados, os quais têm, como parte introdutória, um debate sobre o objeto, o método e o modo de relacionar tal tratado com a totalidade do sistema teológico. Dado o caráter eclesial da teologia, tal proposta não pode esquecer a referência ao fundamento bíblico e eclesial do tratado.
A dupla missão da teologia supõe o anúncio do querigma e o diálogo sobre o significado do mesmo para o existir humano e para a vida de fé. No exercício dessa tarefa, a teologia deve evitar os excessos do fideísmo e do racionalismo, que anulam os direitos da razão e da fé. A razão intuitiva contempla o mistério de Cristo, e a razão dialética argumenta sobre o querigma divino, pressupondo sempre a fé que afirma e aceita a “auctoritas Christi”.
A teologia encontra seu princípio formal no exercício da inteligência da fé, suposta a verdade divina recebida na fé. Trata-se de um momento superior ao mero exercício do lumen rationis. O intellectus fidei supera também o momento do simples auditus fidei, segundo a luz da fé, dado que se engaja no dinamismo de uma fé que procura a própria inteligência . Contudo, a teologia fundamentalmente só pode ser pensada como docta fides, um saber douto sobre a fé. Estando a mesma fé unida à caridade e à eperança, pode-se falar também de uma docta caritas ou de uma docta spes.
O método teológico tem de associar o duplo momento do crer e o pensar. A teologia precisa prestar uma atenção particular ao momento do auditus fidei, recebendo a doutrina revelada na Palavra divina, segundo a Escritura e a tradição; ou seja, estar em íntima relação com o depositum fidei, nos seus desdobramentos teológicos, cristológicos e antropológicos, aprofundando os aspectos objetivos e subjetivos. Uma metodologia correta inclui: o estado da questão do problema com a consideração da história do dogma e da teologia; o debate atual, com o elenco das principais propostas e sentenças; os axiomas teológicos, que orientam nossa proposta; a doutrina bíblica da Palavra divina, que fundamenta nossa proposta; e a regula fidei ou doutrina do magistério eclesial, para corroborar nossa sentença.
A Modernidade indica uma certa tensão dialética, enfatizando a novidade do presente em confronto com o passado, no modo de viver e pensar a religião e a fé. Consideremos alguns momentos da história da teologia, na Antiguidade e na passagem para a Modernidade, a fim de descobrir o processo do método teológico e os diversos paradigmas de articulação da fé e da razão. Na Antiguidade, com o uso do método dialogal, os primeiros apologistas atendiam a problemas dos destinatários, procedentes do mundo judaico ou helenista, convidando-os a achar no Cristo, Logos divino, a verdade subsistente e a sabedoria do eterno, bem como convidou os fiéis a dar razão da própria esperança. A primeira teologia cristã aceitou tal desafio mostrando o modo como à revelação divina responde a desejos da humanidade na procura da verdadeira sabedoria, quando os mitos do paganismo constituíam uma deformação do Logos.
A fidelidade à Tradição apostólica e à sucessão apostólica, à profissão de fé no mesmo credo e a afirmação de fé segundo a mesma doutrina eclesial por parte das igrejas particulares em comunhão com Roma. Na fidelidade ao Cânon das Sagradas Escrituras e ao dogma trinitário, a comunidade eclesial conserva e transmite a mesma experiência de fé.
A comunidade eclesial conhece a relevância do depósito da fé que lhe foi confiado, considerando o talento da fé católica. Talento que foi entregue, não só para ser conservado, mas para frutificar, de modo fiel ao consenso universal sobre a fé. Contudo, para progredir na compreensão da doutrina revelada, é preciso permanecer na fé apostólica. Por conseqüência, devem ser excluídas doutrinas diferentes das transmitidas pela Tradição e conservadas na regra de fé.
Na primeira Modernidade, os nominalistas, com a via moderna, substituíram o processo dedutivo pelo indutivo, e os métodos de integração e de subordinação pelo método de justaposição da razão foi justificado pela doutrina nominalista da potentia absoluta voluntatis divinae, segundo a qual a verdade da revelação pareceria depender exclusivamente do absoluto arbítrio de uma vontade divina indecifrável.
Seguindo essa metodologia dedutiva e analítica, a chamada manualística realizou um trabalho de transmissão doutrinal que sublinhou o aspecto defensivo e uma certa independência entre auctoritas fidei e ratio. Seu discurso teológico partia da doutrina do magistério conciliar e papal, como regula fidei próxima, para, num segundo momento, fundamentar-se na Escritura e na Tradição, como referência principal do depositum fidei. O Concílio Vaticano II mudou tal perspectiva, tornando a Escritura a anima do trabalho teológico.
A separação entre razão e fé aumentou no tempo do Iluminismo. O racionalismo criticou o cristianismo, como religião histórica, por sua pretensão de possuir um caráter absoluto. Fanatismo e intolerância, postular a sua substituição por uma religião nos limites da pura razão, que afirmaria Deus como artífice do Universo, fundamento das leis naturais e morais. Como alternativa ao pensamento racionalista, o fideísmo cristão afirmou a exclusividade do lumen fidei na elaboração do saber teológico. O magistério eclesial rejeitou tanto as formas extremas de racionalismo como as de fideísmo. A igreja permaneceria unida na afirmação do depósito da fé, tanto na doutrina teológica e na ética individual e social, como na espiritualidade e na liturgia. Mas as novas definições e declarações doutrinais, portanto, só poderiam exprimir aquilo que já estava contido de algum modo no depositum fidei.
Em oposição à chamada “Teologia Liberal”, a teologia da Palavra ou da Revelação, de Karl Barth, sublinhou o momento transcendente da experiência religiosa, o personalismo da religião bíblica e o cristocentrismo da revelação escatológica da fé e da teologia. O encontro com o Deus da revelação não poderia acontecer pela via dialética do lumen rationis, na tensão ontológica da analogia do ser, mas na via paradoxal do lumen fidei e da analogia da fé, na crise do encontro com a graça divina que justifica o pescador. A teologia da Palavra se integrou à hermenêutica existencial de Rudolf Bultmann. O método querigmático e a perspectiva hermenêutica se uniram na teologia de E. Fuchs, pensada como “doutrina da linguagem da fé” e na teologia de G. Ebeling, proposta como “doutrina da Palavra de Deus”.
Se a teologia da Palavra preferiria a perspectiva querigmática e sublinhara a distância entre o Deus ignotus da religião e o Deus revelatus, que realiza na graça a justificação pela fé, o método de correlação de Paul Tillich sublinhou a perspectiva dialogal no discurso teológico, bem como a identidade entre o Deus da transcendência na dimensão do incondicionado, e o Deus da irrupção do sagrado, na vivência da revelação cristã. A revelação escatológica acontece no Cristo, a relevância religiosa da mesma, porém, seria verificada somente no eco existencial dos grandes símbolos cristão, confrontados com a própria experiência. Por conseqüência, a teologia deveria considerar ambos os pólos de uma “elipse” bifocal em correlação: a situação humana como problema e a revelação divina como resposta.
Em ambiente católico pela ênfase no imanentismo religioso a sublinhar um momento místico e imediato da experiência do Mistério, que não impediria um segundo momento mediado e lógico, de reflexão teológica. A chamada nouvelle Théologie procurou estabelecer um diálogo teológico com as religiões e com a cultura do humanismo ateu. A perspectiva da trancendência e do mistério não impediu a elaboração de uma teologia da cultura e do trabalho, das realidades terrestres e da política, atendendo a dimensão da autonomia e da secularidade, próprias da modernidade.
Na perspectiva da “virada antropológica” da Modernidade, o método transcendental de Karl Rahner associou uma gnosiologia transcendental à perene meditação do mistério cristão. A atenção para as condições necessárias a priori do sujeito que conhece permitiu descobri a estrutura do ser humano como “espírito no mundo”, situado no espaço e no tempo como liberdade consciente, “ouvinte da Palavra” aberto a uma possível revelação divina e imerso no horizonte divino do Mistério.
O ser humano, criado em Cristo para ser divinizado em Cristo, aberto à transcendência e ao Mistério, é reconhecido como destinatário da auto comunicação divina, que acontece na historia salutis. Na história da graça e da revelação aconteceria a livre autodoação do Pai eterno, que se revela no Filho, Mediador absoluto da revelação e da redenção, como verdade misericordiosa, e se comunica como justiça salvífica e dom de graça no Espírito de santidade. Assim, pois, a Graça vitoriosa não só superaria e repararia o mal na história, mas também recuperaria o desígnio divino, eterno e beatificante.
As teologias da secularização e da morte de Deus sublinharam a dimensão da imanência na experiência religiosa. A salvação foi anunciada como libertação e Cristo passou a ser proclamado senhor do mundo e paradigma do comportamento solidário. O mundo foi assumido na sua autonomia vivida em horizonte de fé. Imerso na profanidade secular, o fiel passou a viver em um mundo que parecia funcionar perfeitamente. Na modernidade muitos fiéis tiveram que suportar uma crise de autenticidade humana e de sinceridade religiosa. Os chamados teólogos da secularização, tanto na experiência religiosa quanto na linguagem teológica, procuraram superar a visão antropomórfica da divindade mediante a aceitação da demitologização e das críticas a todo elemento supersticioso, descobrindo a dimensão de profundidade e ultimidade na qual a criatura humana se abre para o infinito. A ética da responsabilidade e da solidariedade passou a ser valorizada, e o próximo, considerado como “irmão” e “vicário de Jesus”. Segundo os teólogos da “morte de Deus”, o eclipse do sagrado na cidade secular só poderia ser elaborado teologicamente mediante a substituição das categorias de transcendência do platonismo cristão e da dialética da contingência do aristotelismo teológico pela constatação empírica da indiferença religiosa na Modernidade. A crise do teísmo convencional somente seria superada sublinhando a concentração cristocêntrica na reflexão teológica, bem como aceitando a dimensão social e histórica e o compromisso fraterno. O Deus da transcendência fora eclipsado, e em seu lugar surgiu o Deus da imanência, revelado em Cristo, paradigma de uma ética da fraternidade.
A experiência da secularização foi tematizada como contexto de uma nova “teologia natural”, na qual a fé passou a ser vista simultaneamente como confiança na vida e afirmação fiducial, unida ao empenho de luta pela justiça e pela fraternidade entre os seres humanos. Para superar o niilismo e o ateísmo, as teologias da Modernidade procuram novos caminhos, apelando para uma confiança de fundo como base da afirmação de fé, procurando no empenho ético um novo paradigma de transcendência e superando a rivalidade entre liberdade onipotente e liberdade de criatura.
A dimensão da história e do futuro, da esperança e da utopia, constituiu objeto de interesse teológico, quer na elaboração da relação entre salvação e história ou entre história e cristologia, quer na consideração da perspectiva histórica na revelação divina ou na relação entre história e mistério. A Teologia da Esperança sublinhou a tensão do “ainda não”, bem como a dialética do novum.
A “Teologia Política” sublinhou que a dimensão escatológica do cristianismo precisava incidir como religio publica na sociedade. As promessas do Reino não poderiam ser privatizadas; justiça e paz, liberdade e solidariedade, comunhão e fraternidade não poderiam ser vividas de forma meramente individualista. A “Teologia Política”, pensada como moral da mudança social e realizada na história, mas em perspectiva escatológica.
A “teologia da libertação” sublinhou a relevância política do Deus da revelação bíblica como Senhor da libertação dos oprimidos sob a escravidão e como Rei e Senhor de uma aliança de justiça e santidade, que não só condena os pecados de idolatria, como também os de injustiça contra a fraternidade. Na historia salutis, Deus se revelou como Senhor do futuro e da esperança e realizador da libertação de oprimidos e humilhados. Considerando a significação teológica e histórica da revelação bíblica, o “paradigma do êxodo”, de fato, ilumina a reflexão do fiel, e torna o pobre “lugar epistêmico” privilegiado.
Como modo de verificar a doutrina proposta perante o perigo de racionalismo, dado o empirismo, pragmatismo, relativismo e historicismo da Modernidade, será salientado na doutrina eclesial o momento da fé como conteúdo básico da reflexão teológica, quer remotamente como depositum fidei, quer proximamente como regula fidei, bem como a dialética fundamental entre o auditus fidei e o intellectus fidei. tanto na teologia fundamental, com o uso do método querigmático, é necessário articular fé e razão, evitando sempre os extremos do integralismo fideísta e do reducionismo racionalista.
O magistéro lembrou, no Concílio Ecumênico Vaticano I, o dever de afirmar a verdade contida in verbo Dei scripto vel tradito. A Igreja recebeu um mandato divino tanto para custodiar e defender de falsas interpretações o depósito da fé, juntamente com o munus docendi, como para ensinar a verdade divina sem mistura de erro. Por conseqüência, a sentença eclesiástica fixada no dogma, referente ao sentido de uma verdade de fé, não pode ser arbitrariamente mudada. Pio XII ratificou a função normativa exercitada pelo magistério eclesial na conservação do depositum fidei, bem como na formulação ulterior de seu conteúdo doutrinal e de abertura do Concílio Vaticano II, lembrou ao episcopado católico a exigência de tomar o depositum fidei como fundamento da tarefa conciliar, procurando a forma mais adequada para propor ao mundo moderno a substância da doutrina católica, a fim de que fosse escutada e bem aceita.
O povo cristão deve permanecer na doutrina apostólica e na unidade com seus pastores, fiel ao idepositum fidei constituído pela Escritura e pela Tradição. O depósito da fé é definitivo e irreformável, mas o modo de propor suas exigências doutrinais e morais pode e deve ser atualizado, nas novas condições de uma comunidade eclesial que peregrina na história. A Palavra de Deus tem seu lugar próprio de acolhida na fé da comunidade eclesial. A fé da Igreja recebe, guarda, defende, proclama e transmite o depositum fidei. Só na palavra divina encontra-se o fundamento para afirmar a conexão entre doutrina eclesial e revelação divina, e não é possível prescindir nem do testemunho da Tradição nem da função interpretativa do magistério vivo da Igreja. O exercício teológico do auditus fidei deve integrar o testemunho da palavra divina, transmitida na escritura e na Tradição, juntamente com a interpretação autêntica do magistério da Igreja. Contudo, no trabalho de interpretação da Palavra divina, é preciso distinguir entre o depositum fidei contido na traditio fidei, que se manifesta na liturgia e no dogma, na ética e na espiritualidade da comunidade e outras tradições culturais que não fazem parte da revelação divina nem da tradição de fé.
Para poder entender-se a si mesma, a fé supõe uma filosofia coerente e homogênea, e produz, por sua vez uma teologia. A revelação entre fé e cultura filosófica é fundamental para o dialogo com as culturas. A Igreja não impõe um sistema filosófico determinado, mas considera necessário um sistema de pensamento respeitoso da realidade sobre o homem, o mundo e a realidade suprema, Deus. O intellectus fidei deve indicar nos seus enunciados a lógica interna da fé, a coerência de suas diversas proposições, confrontando a própria visão com outras visão alternativas. É também tarefa do intellectus fidei organizar em sistema a pluralidade de enunciados da fé sobre os diversos temas teológicos, mostrando a relevância teórica e vital, pessoal e eclesial dos diversos elementos da experiência de fé, no contexto histórico, cultural e social vivido pela comunidade eclesial. Tarefa da razão teológica é responder ás diversas objeções levantadas pela indiferença religiosa ou por outros argumentos defendidos pelas diversas escolas teológicas. No exercício da reflexão teológica no intellectus fidei, o teólogo deve esclarecer a articulação dos diversos dogmas eclesiais entre si, constituindo uma verdadeira hierachia dogmatum, segundo sua relação com o fundamento da fé.A história da teologia cristã mostra amplamente a utilidade do discurso do método, próprio de uma epistemologia teológica, em ordem a manter o contato com a atualidade histórica, como os novos desafios culturais e religiosos, e também em ordem a conservar a fidelidade ao “deposito da fé”, facilitando a missão eclesial de anunciar com eficácia o Evangelho de Cristo a todos os homens de todos os tempos. Desse imperativo fundamental, nascem, para a teologia, as exigências do “método querigmático” orientado a aprofundar e a defender o mistério cristão, e os deveres do “método dialogal” orientado a conduzir Cristo homens de todos os tempos e culturas.
A epistemologia teológica estuda pressupostos e princípios, critérios normas da lógica do saber teológico nos quais o exercício da teologia se torna objeto da própria reflexão. O problema central focalizado emerge da tensão inevitável entre querigma e logos, entre fé e razão. A epistemologia tem por finalidade elaborar pressupostos e princípios, gnoseológicos e hermenêuticos, do conhecimento teológico. Normalmente o discurso se fragmenta em diversos tratados, os quais têm, como parte introdutória, um debate sobre o objeto, o método e o modo de relacionar tal tratado com a totalidade do sistema teológico. Dado o caráter eclesial da teologia, tal proposta não pode esquecer a referência ao fundamento bíblico e eclesial do tratado.
A dupla missão da teologia supõe o anúncio do querigma e o diálogo sobre o significado do mesmo para o existir humano e para a vida de fé. No exercício dessa tarefa, a teologia deve evitar os excessos do fideísmo e do racionalismo, que anulam os direitos da razão e da fé. A razão intuitiva contempla o mistério de Cristo, e a razão dialética argumenta sobre o querigma divino, pressupondo sempre a fé que afirma e aceita a “auctoritas Christi”.
A teologia encontra seu princípio formal no exercício da inteligência da fé, suposta a verdade divina recebida na fé. Trata-se de um momento superior ao mero exercício do lumen rationis. O intellectus fidei supera também o momento do simples auditus fidei, segundo a luz da fé, dado que se engaja no dinamismo de uma fé que procura a própria inteligência . Contudo, a teologia fundamentalmente só pode ser pensada como docta fides, um saber douto sobre a fé. Estando a mesma fé unida à caridade e à eperança, pode-se falar também de uma docta caritas ou de uma docta spes.
O método teológico tem de associar o duplo momento do crer e o pensar. A teologia precisa prestar uma atenção particular ao momento do auditus fidei, recebendo a doutrina revelada na Palavra divina, segundo a Escritura e a tradição; ou seja, estar em íntima relação com o depositum fidei, nos seus desdobramentos teológicos, cristológicos e antropológicos, aprofundando os aspectos objetivos e subjetivos. Uma metodologia correta inclui: o estado da questão do problema com a consideração da história do dogma e da teologia; o debate atual, com o elenco das principais propostas e sentenças; os axiomas teológicos, que orientam nossa proposta; a doutrina bíblica da Palavra divina, que fundamenta nossa proposta; e a regula fidei ou doutrina do magistério eclesial, para corroborar nossa sentença.
A Modernidade indica uma certa tensão dialética, enfatizando a novidade do presente em confronto com o passado, no modo de viver e pensar a religião e a fé. Consideremos alguns momentos da história da teologia, na Antiguidade e na passagem para a Modernidade, a fim de descobrir o processo do método teológico e os diversos paradigmas de articulação da fé e da razão. Na Antiguidade, com o uso do método dialogal, os primeiros apologistas atendiam a problemas dos destinatários, procedentes do mundo judaico ou helenista, convidando-os a achar no Cristo, Logos divino, a verdade subsistente e a sabedoria do eterno, bem como convidou os fiéis a dar razão da própria esperança. A primeira teologia cristã aceitou tal desafio mostrando o modo como à revelação divina responde a desejos da humanidade na procura da verdadeira sabedoria, quando os mitos do paganismo constituíam uma deformação do Logos.
A fidelidade à Tradição apostólica e à sucessão apostólica, à profissão de fé no mesmo credo e a afirmação de fé segundo a mesma doutrina eclesial por parte das igrejas particulares em comunhão com Roma. Na fidelidade ao Cânon das Sagradas Escrituras e ao dogma trinitário, a comunidade eclesial conserva e transmite a mesma experiência de fé.
A comunidade eclesial conhece a relevância do depósito da fé que lhe foi confiado, considerando o talento da fé católica. Talento que foi entregue, não só para ser conservado, mas para frutificar, de modo fiel ao consenso universal sobre a fé. Contudo, para progredir na compreensão da doutrina revelada, é preciso permanecer na fé apostólica. Por conseqüência, devem ser excluídas doutrinas diferentes das transmitidas pela Tradição e conservadas na regra de fé.
Na primeira Modernidade, os nominalistas, com a via moderna, substituíram o processo dedutivo pelo indutivo, e os métodos de integração e de subordinação pelo método de justaposição da razão foi justificado pela doutrina nominalista da potentia absoluta voluntatis divinae, segundo a qual a verdade da revelação pareceria depender exclusivamente do absoluto arbítrio de uma vontade divina indecifrável.
Seguindo essa metodologia dedutiva e analítica, a chamada manualística realizou um trabalho de transmissão doutrinal que sublinhou o aspecto defensivo e uma certa independência entre auctoritas fidei e ratio. Seu discurso teológico partia da doutrina do magistério conciliar e papal, como regula fidei próxima, para, num segundo momento, fundamentar-se na Escritura e na Tradição, como referência principal do depositum fidei. O Concílio Vaticano II mudou tal perspectiva, tornando a Escritura a anima do trabalho teológico.
A separação entre razão e fé aumentou no tempo do Iluminismo. O racionalismo criticou o cristianismo, como religião histórica, por sua pretensão de possuir um caráter absoluto. Fanatismo e intolerância, postular a sua substituição por uma religião nos limites da pura razão, que afirmaria Deus como artífice do Universo, fundamento das leis naturais e morais. Como alternativa ao pensamento racionalista, o fideísmo cristão afirmou a exclusividade do lumen fidei na elaboração do saber teológico. O magistério eclesial rejeitou tanto as formas extremas de racionalismo como as de fideísmo. A igreja permaneceria unida na afirmação do depósito da fé, tanto na doutrina teológica e na ética individual e social, como na espiritualidade e na liturgia. Mas as novas definições e declarações doutrinais, portanto, só poderiam exprimir aquilo que já estava contido de algum modo no depositum fidei.
Em oposição à chamada “Teologia Liberal”, a teologia da Palavra ou da Revelação, de Karl Barth, sublinhou o momento transcendente da experiência religiosa, o personalismo da religião bíblica e o cristocentrismo da revelação escatológica da fé e da teologia. O encontro com o Deus da revelação não poderia acontecer pela via dialética do lumen rationis, na tensão ontológica da analogia do ser, mas na via paradoxal do lumen fidei e da analogia da fé, na crise do encontro com a graça divina que justifica o pescador. A teologia da Palavra se integrou à hermenêutica existencial de Rudolf Bultmann. O método querigmático e a perspectiva hermenêutica se uniram na teologia de E. Fuchs, pensada como “doutrina da linguagem da fé” e na teologia de G. Ebeling, proposta como “doutrina da Palavra de Deus”.
Se a teologia da Palavra preferiria a perspectiva querigmática e sublinhara a distância entre o Deus ignotus da religião e o Deus revelatus, que realiza na graça a justificação pela fé, o método de correlação de Paul Tillich sublinhou a perspectiva dialogal no discurso teológico, bem como a identidade entre o Deus da transcendência na dimensão do incondicionado, e o Deus da irrupção do sagrado, na vivência da revelação cristã. A revelação escatológica acontece no Cristo, a relevância religiosa da mesma, porém, seria verificada somente no eco existencial dos grandes símbolos cristão, confrontados com a própria experiência. Por conseqüência, a teologia deveria considerar ambos os pólos de uma “elipse” bifocal em correlação: a situação humana como problema e a revelação divina como resposta.
Em ambiente católico pela ênfase no imanentismo religioso a sublinhar um momento místico e imediato da experiência do Mistério, que não impediria um segundo momento mediado e lógico, de reflexão teológica. A chamada nouvelle Théologie procurou estabelecer um diálogo teológico com as religiões e com a cultura do humanismo ateu. A perspectiva da trancendência e do mistério não impediu a elaboração de uma teologia da cultura e do trabalho, das realidades terrestres e da política, atendendo a dimensão da autonomia e da secularidade, próprias da modernidade.
Na perspectiva da “virada antropológica” da Modernidade, o método transcendental de Karl Rahner associou uma gnosiologia transcendental à perene meditação do mistério cristão. A atenção para as condições necessárias a priori do sujeito que conhece permitiu descobri a estrutura do ser humano como “espírito no mundo”, situado no espaço e no tempo como liberdade consciente, “ouvinte da Palavra” aberto a uma possível revelação divina e imerso no horizonte divino do Mistério.
O ser humano, criado em Cristo para ser divinizado em Cristo, aberto à transcendência e ao Mistério, é reconhecido como destinatário da auto comunicação divina, que acontece na historia salutis. Na história da graça e da revelação aconteceria a livre autodoação do Pai eterno, que se revela no Filho, Mediador absoluto da revelação e da redenção, como verdade misericordiosa, e se comunica como justiça salvífica e dom de graça no Espírito de santidade. Assim, pois, a Graça vitoriosa não só superaria e repararia o mal na história, mas também recuperaria o desígnio divino, eterno e beatificante.
As teologias da secularização e da morte de Deus sublinharam a dimensão da imanência na experiência religiosa. A salvação foi anunciada como libertação e Cristo passou a ser proclamado senhor do mundo e paradigma do comportamento solidário. O mundo foi assumido na sua autonomia vivida em horizonte de fé. Imerso na profanidade secular, o fiel passou a viver em um mundo que parecia funcionar perfeitamente. Na modernidade muitos fiéis tiveram que suportar uma crise de autenticidade humana e de sinceridade religiosa. Os chamados teólogos da secularização, tanto na experiência religiosa quanto na linguagem teológica, procuraram superar a visão antropomórfica da divindade mediante a aceitação da demitologização e das críticas a todo elemento supersticioso, descobrindo a dimensão de profundidade e ultimidade na qual a criatura humana se abre para o infinito. A ética da responsabilidade e da solidariedade passou a ser valorizada, e o próximo, considerado como “irmão” e “vicário de Jesus”. Segundo os teólogos da “morte de Deus”, o eclipse do sagrado na cidade secular só poderia ser elaborado teologicamente mediante a substituição das categorias de transcendência do platonismo cristão e da dialética da contingência do aristotelismo teológico pela constatação empírica da indiferença religiosa na Modernidade. A crise do teísmo convencional somente seria superada sublinhando a concentração cristocêntrica na reflexão teológica, bem como aceitando a dimensão social e histórica e o compromisso fraterno. O Deus da transcendência fora eclipsado, e em seu lugar surgiu o Deus da imanência, revelado em Cristo, paradigma de uma ética da fraternidade.
A experiência da secularização foi tematizada como contexto de uma nova “teologia natural”, na qual a fé passou a ser vista simultaneamente como confiança na vida e afirmação fiducial, unida ao empenho de luta pela justiça e pela fraternidade entre os seres humanos. Para superar o niilismo e o ateísmo, as teologias da Modernidade procuram novos caminhos, apelando para uma confiança de fundo como base da afirmação de fé, procurando no empenho ético um novo paradigma de transcendência e superando a rivalidade entre liberdade onipotente e liberdade de criatura.
A dimensão da história e do futuro, da esperança e da utopia, constituiu objeto de interesse teológico, quer na elaboração da relação entre salvação e história ou entre história e cristologia, quer na consideração da perspectiva histórica na revelação divina ou na relação entre história e mistério. A Teologia da Esperança sublinhou a tensão do “ainda não”, bem como a dialética do novum.
A “Teologia Política” sublinhou que a dimensão escatológica do cristianismo precisava incidir como religio publica na sociedade. As promessas do Reino não poderiam ser privatizadas; justiça e paz, liberdade e solidariedade, comunhão e fraternidade não poderiam ser vividas de forma meramente individualista. A “Teologia Política”, pensada como moral da mudança social e realizada na história, mas em perspectiva escatológica.
A “teologia da libertação” sublinhou a relevância política do Deus da revelação bíblica como Senhor da libertação dos oprimidos sob a escravidão e como Rei e Senhor de uma aliança de justiça e santidade, que não só condena os pecados de idolatria, como também os de injustiça contra a fraternidade. Na historia salutis, Deus se revelou como Senhor do futuro e da esperança e realizador da libertação de oprimidos e humilhados. Considerando a significação teológica e histórica da revelação bíblica, o “paradigma do êxodo”, de fato, ilumina a reflexão do fiel, e torna o pobre “lugar epistêmico” privilegiado.
Como modo de verificar a doutrina proposta perante o perigo de racionalismo, dado o empirismo, pragmatismo, relativismo e historicismo da Modernidade, será salientado na doutrina eclesial o momento da fé como conteúdo básico da reflexão teológica, quer remotamente como depositum fidei, quer proximamente como regula fidei, bem como a dialética fundamental entre o auditus fidei e o intellectus fidei. tanto na teologia fundamental, com o uso do método querigmático, é necessário articular fé e razão, evitando sempre os extremos do integralismo fideísta e do reducionismo racionalista.
O magistéro lembrou, no Concílio Ecumênico Vaticano I, o dever de afirmar a verdade contida in verbo Dei scripto vel tradito. A Igreja recebeu um mandato divino tanto para custodiar e defender de falsas interpretações o depósito da fé, juntamente com o munus docendi, como para ensinar a verdade divina sem mistura de erro. Por conseqüência, a sentença eclesiástica fixada no dogma, referente ao sentido de uma verdade de fé, não pode ser arbitrariamente mudada. Pio XII ratificou a função normativa exercitada pelo magistério eclesial na conservação do depositum fidei, bem como na formulação ulterior de seu conteúdo doutrinal e de abertura do Concílio Vaticano II, lembrou ao episcopado católico a exigência de tomar o depositum fidei como fundamento da tarefa conciliar, procurando a forma mais adequada para propor ao mundo moderno a substância da doutrina católica, a fim de que fosse escutada e bem aceita.
O povo cristão deve permanecer na doutrina apostólica e na unidade com seus pastores, fiel ao idepositum fidei constituído pela Escritura e pela Tradição. O depósito da fé é definitivo e irreformável, mas o modo de propor suas exigências doutrinais e morais pode e deve ser atualizado, nas novas condições de uma comunidade eclesial que peregrina na história. A Palavra de Deus tem seu lugar próprio de acolhida na fé da comunidade eclesial. A fé da Igreja recebe, guarda, defende, proclama e transmite o depositum fidei. Só na palavra divina encontra-se o fundamento para afirmar a conexão entre doutrina eclesial e revelação divina, e não é possível prescindir nem do testemunho da Tradição nem da função interpretativa do magistério vivo da Igreja. O exercício teológico do auditus fidei deve integrar o testemunho da palavra divina, transmitida na escritura e na Tradição, juntamente com a interpretação autêntica do magistério da Igreja. Contudo, no trabalho de interpretação da Palavra divina, é preciso distinguir entre o depositum fidei contido na traditio fidei, que se manifesta na liturgia e no dogma, na ética e na espiritualidade da comunidade e outras tradições culturais que não fazem parte da revelação divina nem da tradição de fé.
Para poder entender-se a si mesma, a fé supõe uma filosofia coerente e homogênea, e produz, por sua vez uma teologia. A revelação entre fé e cultura filosófica é fundamental para o dialogo com as culturas. A Igreja não impõe um sistema filosófico determinado, mas considera necessário um sistema de pensamento respeitoso da realidade sobre o homem, o mundo e a realidade suprema, Deus. O intellectus fidei deve indicar nos seus enunciados a lógica interna da fé, a coerência de suas diversas proposições, confrontando a própria visão com outras visão alternativas. É também tarefa do intellectus fidei organizar em sistema a pluralidade de enunciados da fé sobre os diversos temas teológicos, mostrando a relevância teórica e vital, pessoal e eclesial dos diversos elementos da experiência de fé, no contexto histórico, cultural e social vivido pela comunidade eclesial. Tarefa da razão teológica é responder ás diversas objeções levantadas pela indiferença religiosa ou por outros argumentos defendidos pelas diversas escolas teológicas. No exercício da reflexão teológica no intellectus fidei, o teólogo deve esclarecer a articulação dos diversos dogmas eclesiais entre si, constituindo uma verdadeira hierachia dogmatum, segundo sua relação com o fundamento da fé.A história da teologia cristã mostra amplamente a utilidade do discurso do método, próprio de uma epistemologia teológica, em ordem a manter o contato com a atualidade histórica, como os novos desafios culturais e religiosos, e também em ordem a conservar a fidelidade ao “deposito da fé”, facilitando a missão eclesial de anunciar com eficácia o Evangelho de Cristo a todos os homens de todos os tempos. Desse imperativo fundamental, nascem, para a teologia, as exigências do “método querigmático” orientado a aprofundar e a defender o mistério cristão, e os deveres do “método dialogal” orientado a conduzir Cristo homens de todos os tempos e culturas.
Um comentário:
Amigo papagaiodeamparo esta iniciativa de fazer um blog sobre teologia é muito interessante. Também sou estudante de teologia e gostaria muito de estar compartilhando dos conhecimentos teológicos dos outros membros participantes. Se possível poste mais coisas, como trabalhos prontos e apresentações. Abraços e muito sucesso com este blog inovador na comunidade teológica seminarística e leiga.
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