sexta-feira, 6 de junho de 2008

Síntese: Jesus, o Libertador (Jon Sobrino)


Parte I: Método da Cristologia Latino-Americana


I-Uma nova imagem e uma nova fé em Cristo

O Cristo das maiorias pobres é o Cristo sofredor da Semana Santa. É a figura de maior identificação popular. Ocorreu porém uma mudança nos últimos anos e este mesmo. Cristo passou a ser também símbolo de protesto e de libertação. Essa nova imagem relevante para o contexto de opressão e miséria da América Latina. É uma imagem essencialmente soteriológica, porque Cristo é o libertador de todas as opressões. Essa nova imagem corresponde a uma nova forma de se viver à fé, com compromisso e testemunho até a entrega da vida. Esse Cristo e essa fé são conflitivos, já que Jesus está a favor dos oprimidos e conta os opressores. Por ser contrária a imagem tradicional alienante fomentada pelos poderosos para manipular a consciência dos pobres. Uma imagem de Cristo-poder, serve para justificar o poder autoritário opressivo. Um Cristo reconciliador é perigoso porque nega Jesus de Nazaré, sua denúncia profética e sua defesa dos pobres. É livre de conflitos. Um Cristo absolutamente absoluto: ignora a relação histórica entre Jesus e o Reino de Deus e o Deus do Reino. Abandona a realidade histórica à sua miséria. Lembramo-nos de que séculos da fé em Cristo não foram capazes de mudar a realidade. As novas imagens supera as anteriores e mostra a quem elas servem, por isso é conflitiva.
Imagem de Cristo em Medellín: Cristo é aquele que vem para libertar de todas as prisões, opressões e injustiças. Ele amou os pobres e viveu na pobreza. Sua história é descrita a partir da pobreza e da sua opção pelos pobres. Capta-se a presença de Cristo na história através do anseio pela redenção total e pelas conquistas transformadoras.
Imagem de Cristo em Puebla: Cristo quis identificar-se com os pobres, com os mais fracos. Puebla privilegia sua presença nos pobres que são os destinatários privilegiados de sua missão, é a eles que Cristo se dirige em primeiro lugar. Por isso para se ter um conhecimento de Jesus é necessário conhecer os pobres. São um sacramento de Cristo, porque por sua vivência de valores evangélicos nos chamam à conversão.

II- O lugar eclesial e social da cristologia

Para a cristologia latino americana o lugar teológico é a realidade histórica na qual se crê que Deus e Cristo continuam se fazendo presentes. Seu lugar são os pobres desse mundo. A escolha deste lugar é uma exigência captada quando já se está nesse lugar. Quando Igreja e pobres são postos em relação essencial, então surge a Igreja dos pobres. A fé da Igreja dos pobres se realiza sobretudo como prática libertadora, seguimento de Jesus. Em sua opção pelos pobres, profetismo e destino. Conhecer Cristo é segui-lo.

III- O Jesus histórico ponto de partida da cristologia

Relação entre Jesus e Cristo: Não se trata apenas de aceitar na fé o prodígio do dom de Deus se ter tornado humano. Esse prodígio não é outro senão o Jesus de Nazaré concreto, por isso pode a cristologia começar por baixo. Para chegar a confessar com sentido que Jesus é o Cristo é preciso conhecer Jesus, conhecer e analisar aquelas realidades suas que permitam dar o salto da fé: Jesus é o Cristo. Lembremo-nos de que uma das primeiras dificuldades da fé em Cristo não era a afirmação de sua transcendência, mas de sua humanidade. O proceder mais concreto é ver Cristo a partir de Jesus, para que não se corra no perigo de confessar o Cristo contrário a Jesus.
Diversos pontos de partida:
1- Não se pode partir de afirmações dogmáticas e conciliares. Essas fórmulas não dizem mais nem vão além das Escrituras e pressupõem algo prévio: a própria Sagrada Escritura.
2- Há também a abordagem bíblico-dogmática, que parte dos títulos. Possue uma linguagem mais acessível, mas já apresentam títulos teologizados que supõem uma realidade anterior: Jesus de Nazaré.
3- Partir do querigma, mas esta abordagem apresenta a dificuldade de se garantir um conteúdo concreto com existência autêntica.
4- Partir da ressurreição também é complicado porque é preciso saber quem é o ressuscitado.
Nas cristologias atuais há uma volta ao Jesus de Nazaré. A cristologia da libertação surge da necessidade de se responder aos desafios do continente, com uma clara necessidade de se retornar a prática de Jesus. É por isso que ela se antepõe o Jesus histórico ao Cristo da fé. Por Jesus histórico entende-se a vida de Jesus de Nazaré, suas palavras, sua prática e seu destino: a história de Jesus. Prosseguir a prática de Jesus é o que nos faz aprofundar a fé em Jesus. Chega-se melhor ao seu interior a partir de sua prática. Além disso, fora do seguimento não se tem afinidade suficiente com o objeto de fé para saber de que se está falando ao confessa-lo como o Cristo.

Parte II: Missão e fé de Jesus

IV- Jesus e o Reino de Deus


Jesus não fez de si mesmo o centro de sua missão, pregava o Reino e o Pai. O Reino de Deus era a realidade última para ele. O Reino era uma certeza, sua vinda é fruto do amor de Deus, é gratuidade, mas não se opõem as ações, antes a exige. A chegada do Reino é a boa notícia, é Deus que se aproxima porque é bom e quer o bem para os homens. Destinatário: o Reino de Deus é para os pobres. Ninguém estava excluído de entrar nele. Mas Jesus compreende sua missão como dirigida aos pobres. Pobres pelo simples fato de serem pobres, não importa em que situação moral ou pessoal se encontrem: Deus os ama e os defende, são os primeiros destinatários da missão de Jesus. Pobres são os “anawin”, curvados sobre o peso de alguma carga, e que hoje poderíamos traduzir por pobres economicamente. São também os desprezados pela sociedade vigente, pecadores, publicanos, prostitutas, os sem dignidade, excluídos socialmente. São os que estão embaixo da história, uma realidade coletiva e massiva: grupos ou classes. O Reino é parcial, porque se dirige em primeiro lugar aos pobres, eleitos por Deus. Anunciar uma boa notícia aos pobres desse mundo não pode ser feito apenas com palavras, mas com a prática, com a luta, porque de palavras eles já estão cheios. Reino não é só conceito de sentido, mas conceito práxico. Os milagres de Jesus são sinais de proximidade do Reino que geram esperança. Neles os pobres vêem a salvação e é a partir deles que se deve entender os milagres. São também uma amostra da misericórdia de Jesus diante do sofrimento dos pobres e dos fracos. Não apenas sentimento mais reação prática. A expulsão de demônios: a vitória sobre o maligno. Maligno: dimensão última do anti-reino. Demônios eram enfermidades físicas e psíquicas que geravam sofrimento. A aniquilação do maligno mostra que o fim dos sofrimentos está próximo. A vinda do Reino implica luta ativa contra o anti-reino. Ambos são opostos e excludentes. Acolhida dos pecadores ou perdão dos pecados. Em primeiro lugar Jesus acolhia os pecadores como um sinal da vida do Reino e não como uma forma de mostrar seu poder. Oferece a salvação para todos e para todos tem exigências. Quer mostrar um Deus amoroso. A acolhida expressa a libertação do pecador, devolve a dignidade aos desprezados. A reação do anti-reino. A acolhida e o perdão contra a lei escandalizam, bem como a parcialidade e a gratuidade de Deus porque abala a sociedade religiosa oficial. O Reino de Deus na Cristologia Latino Americana. Libertação é entendida como libertação dos pobres. A totalidade é vista a partir daqui. O Reino de Deus é visto como a libertação dos pobres, a realidade última e escatológica. A instalação do Reino visa a erradicação do Anti Reino. Os bens, a salvação, que Jesus traz são contradição diante do Anti Reino. Um age contra o outro. O Reino de Deus é para os não pobres na medida em que se abaixam para os pobres, são capazes de defende-los e se deixam imbuir pelo Espírito dos pobres. O Reino de Deus é vida justa para os pobres, boa notícia para milhões de pessoas e leva a denunciar o anti-reino.

V- Jesus e Deus

Jesus diante de um Deus Pai: A radical experiência de Deus que Jesus teve foi absolutamente central em sua vida. Suas noções sobre Deus provinham de diversas tradições. Ele faz uso da tradição profética segundo a qual Deus aparece como parcial e defensor dos oprimidos. Quando fala sobre o futuro absoluto de Deus, Jesus está se baseando na tradição apocalíptica. Quando enfaixa um Deus criador providente que cuida de suas criaturas e vela por suas necessidades cotidianas está se inspirando na tradição sapiencial. Todas essas tradições se referem ao Antigo Testamento.
A oração de Jesus: A oração de Jesus mostra que Ele se dirigiu a Deus e a que Deus se dirigia. Como judeu piedoso era de se esperar que Jesus orasse, toda sua vida transcorria em clima de oração. Não é um orante ingênuo: conhece a oração mecânica, a oração vaidosa e hipócrita, a oração cínica, a oração alienante e opressora. Mesmo com esses perigos Jesus insiste na oração. Sua oração aparece como confiança em um Deus que é bom e é Pai e como disponibilidade diante de um Deus que continua sendo Pai. Jesus está convencido de que o que define Deus é a sua bondade. Deus é “Abba” que deseja o bem dos homens. E Jesus passa fazendo o bem, concretizando a vontade de Deus. Sua bondade tem que ser descritas como amor (ágape). Essa visão de Deus como amor e ternura constitui o núcleo de sua experiência de Deus. Sim, Deus é absoluto e transcendente, mas não é autoritário e opressor. Jesus ensina por palavra e obras que autoridade é serviço em liberdade. É liberdade em função do bem de outros. De tudo o que se viu acima se conclui que Jesus via em Deus alguém em quem se poderia confiar e descansar, que dá sentido à existência dos homens.
Disponibilidade para um Deus que é Pai: Foi uma relação de disponibilidade e não de posse. A obediência de Jesus foi uma atitude fundamental ou fundante em sua vida, uma disponibilidade ativa para Deus, a cuja palavra devia estar sempre atento e aberto. Foi um sair de si mesmo. Em certo sentido pode-se dizer que Jesus se converteu na medida em que seu Deus foi se movendo e movendo a Ele, na medida em que ele se deixou mover por Deus. Tentações: As tentações de Jesus querem dizer que sua conversão a Deus se realizou através da prova. Mostram a sua verdadeira humanidade. As tentações versam sobre a forma de exercer o messianismo. Crise Galilaica: Jesus teria passado por uma crise que dividiu sua vida em duas etapas. A ruptura geográfica demonstrada por sua ida a Cesaréia de Filipe mostra que ele tinha dúvidas sobre o valor da continuidade de sua missão. Ignorância de Jesus: Jesus respeita a transcendência de Deus, por isso o seu não saber não tem nada de imperfeição, mas expressa sua criaturidade. Também é conseqüência de sua humanidade a fé. Quem é Deus para Jesus? É aquele a quem Jesus responde e corresponde. È de tudo garantia do sentido de sua vida e no qual ele pode descansar.

VI- Jesus e Deus

A práxis profética de Jesus como defesa do verdadeiro Deus. Práxis profética. Jesus denuncia todos os que tem em comum o fato de representarem ou exercerem algum tipo de poder que oprime. Diretamente denuncia e desmascara o anti-reino que configurava (e configura) a sociedade matando muitos seres humanos. Desmascaramento. Jesus constata que os homens não só tem visões distintas e contrárias de Deus mas também usam essa visão para defender seus próprios interesses. Daí a necessidade dos desmascaramentos de todos os mecanismos da religião opressora. Denuncias: Denuncia os ricos porque a riqueza é má em primeiro lugar para eles mesmos porque faz com que ponham o coração somente nelas; é impossibilidade de abertura do homem para Deus e é condenação porque os ricos já tiveram seu consolo. A denúncia da riqueza é clara, embora na história se tenha buscado todo tipo de subterfúgio par suaviza-la. A riqueza age contra os pobres e contra Deus. Jesus profeta: Jesus não nos é apresentado diretamente em confronto com os poderes políticos dominantes, nem toma central em sua crítica a dominação romana. Sua mensagem central é a defesa dos oprimidos. Idolatria na Teologia da A.L.: A teologia da A.L. leva muito a sério as questões de idolatria, porque vê nela não apenas perversão ética, mas teologal. É por isso que fala em ídolos em sentido real e não figurado, como realidades de morte. O Deus Pai de Jesus é antagônico e está em luta com os outros deuses. Por isso a fé tem que ser autodolátrica, tem que ser práxica e responder a vontade de Deus. Tem que ser realização da misericórdia , da justiça e do amor. Esse Deus tem um lugar privilegiado na história: o rosto dos pobres e oprimidos, por isso a fé tem que ser encarnada e parcial.
Porque matam Jesus? Não há dúvidas de que Jesus morreu violentamente. Seu final foi fruto de uma perseguição sustentada e progressiva por parte dos fariseus, saduceus, herodianos, escribas e sumos sacerdotes, todos com algum tipo de poder. Todos convergem na perseguição. O povo de Deus não apareceu como responsável pela perseguição. Este por vezes até lhe serviu de defesa.
Causas: As denúncias de Jesus contra o poder opressor, diretamente o poder religioso, que sustentava e justificativa outros poderes. Ataca aqueles que justificavam a opressão em nome de Deus. Ao ataca-los, defende suas vítimas.
Consciência: Certamente que Jesus devia ter consciência de seu final trágico. Sabia que Herodes, o Sinédrio e os romanos tinham poder para matá-los, mas manteve-se firme. Viu o trágico fim de João. A morte violenta virá como algo sempre presente no horizonte. Sua entrega foi plenamente livre, expressão do seu amor. Vê que é preciso continuar caminhando com Deus na história. Faz seu último gesto de serviço para deixar o exemplo.
Julgamento religioso: Os artífices de sua morte foram certamente os da corte sacerdotal irritados com a ação transformadora de Jesus. Parecia razoável que fosse condenado por destruir o templo.
Julgamento político: Jesus morreu com um tipo de morte que só cabia aos romanos condenar. A causa, ou melhor, a condenação foi por se fazer passar por “Rei dos Judeus”. Foi uma condenação em nome da “Pax Romana”. Na realidade, Jesus era tão perigoso porque a partir do religioso se abalam alicerces da sociedade de maneira radical.
Morte como conseqüência de sua missão: A morte de Jesus foi conseqüência de sua vida, de sua ação em defesa das vítimas do anti-reino.
Por que Jesus morre? Morre para nos mostrar o amor de Deus de maneira inequívoca. O próprio Deus tomou a iniciativa de se fazer presente em Jesus, e a cruz é aquilo em que o amor de Deus aos homens se expressa e se torna real. A linguagem de amor vai além de redenção ou de salvação dos pecados: o amor salva e a cruz é expressão do amor. A cruz nos diz que Deus veio a esse mundo, que é um Deus conosco e um Deus para nós, à nossa mercê.

IX- A morte de Jesus

O Deus crucificado: Silêncio de Deus na cruz. Jesus não morre com a sabedoria de Sócrates nem com a tranqüilidade estóica de Sêneca. Sua morte não é descrita de maneira bela e tranqüilizadora. Sua morte trágica mostra uma descontinuidade radical em sua vida. Essa descontinuidade é real e constitui a tragédia objetiva e específica da morte de Jesus. Nas narrações da cruz de modo algum apareceu a proximidade com o Reino que Jesus pregava. O final de sua vida terminou no silêncio de Deus, sem sua presença ativa. A única coisa que a cruz diria é que o próprio Deus carrega o sofrimento e que é preciso carregá-la. O sofrimento de Deus é bem verossímil se Ele realmente quis revelar sua solidariedade par com as vítimas deste mundo. Se, desde o princípio do Evangelho, Deus aparece em Jesus como um Deus conosco e para nós, na cruz ele aparece como um Deus à mercê de nós e, sobretudo, como um Deus como nós. O sofrimento de Deus na cruz diz que Ele luta contra o sofrimento humano, que quis se mostrar solidário para com aqueles que sofrem e que sua luta contra o sofrimento é à maneira humana.
Vítimas como lugar de revelação: As vítimas deste mundo são o lugar do conhecimento de Deus, o fazem presente. Estar ao pé da cruz de Jesus é estar ao pé das cruzes da história, é absolutamente necessário para conhecer o Deus crucificado. Na A.L. é preciso estar junto deles de maneira especial para baixá-los da cruz.

X- A morte de Jesus

O povo crucificado: Olhando de terceiro mundo percebe-se que existem cruzes não só individuais, mas coletivas, de povos inteiros. Povos crucificados não padecem somente de pobreza, mas são mortes das mais diversas maneiras. Esses povos completam em sua carne o que falta à paixão de Cristo. São as presenças atuais de Cristo na história. São também mártires porque respondem ativamente ao anti-reino, porque carregam seus pecados e são as maiorias sem defesa, mortas em massa, inocente e anonimamente.

Bibliografia
Sobrino, Jon. Jesus, o Libertador: I. A história de Jesus de Nazaré. Vozes: São Paulo, 1994.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Resumo: A História de Israel a partir dos Pobres (Jorge Pixley)

1 RESUMO DA OBRA
Jorge Pixley na obra A história de Israel a partir dos pobres – da Editora Vozes, de Petrópolis-RJ, em 1990 –, busca mostrar de forma clara, objetiva e sintética os períodos da história de Israel, porém sobre a ótica dos pobres e excluídos da época.


1.1 Chaves de Leitura
Para entender o sentido da história é necessário notar que os documentos deixados por qualquer grupo social sempre contêm interesses que ocultam o sentido dos acontecimentos. Deste modo, o autor propõe duas chaves de leitura que permite compreender melhor a história de Israel: uma teológica e outra sociológica.
A chave teológica tem como base o êxodo, a saída da escravidão do Egito. É o evento originário do povo de Israel. Assim, o aspecto teológico consiste no fato de que um deus que legitima a opressão dos camponeses, por mais solene que se apresente seu culto, não é o deus verdadeiro. Pois o Deus verdadeiro é aquele que ouve o clamor dos oprimidos e os liberta de sua opressão.
A chave sociológica fundamenta-se no modo de produção asiático ou tributário. Esta sociedade é composta de três grupos: O Povo formado por diversas e pequenas aldeias constitui as unidades produtivas da sociedade. O Rei que era o real proprietário de tudo e que por isso recebia do povo uma parte da produção, e em troca destes tributos garantia às aldeias a proteção do exército, o benefício das obras como controles de inundação e estradas, e a suntuosa celebração das festas religiosas. E por fim, os servos do rei que garantiam a segurança, os cultos, as obras e a manutenção do Estado, custeados pelo tesouro real. Assim, todos, à exceção do rei, eram escravos.


1.2 As origens de Israel como nação de tribos
A data estabelecida para o começo da história de Israel é de 1220 a.C., data estimada do êxodo. Assim pode-se notar três teorias sobre a ascensão de Israel como um grupo tribal:
A primeira fundamenta-se na unidade racial primitiva, dizendo que as histórias dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó supõem uma consciência de família entre as tribos, que descendiam dos doze filhos de Jacó.
A segunda, na unidade de Israel em sua prática de pastoreio, visto que as tribos de pastores se uniram com o tempo por um comum estilo de vida para poderem enfrentar os camponeses que usavam a terra para cultivar vegetais.
A terceira, na insurreição camponesa que propõe a unidade das tribos como resultado de uma rebelião comum contra os reis da Palestina.
Tendo o êxodo como um evento histórico, provavelmente os hebreus (“hapiru”) não teriam tido a coragem de enfrentar uma migração revolucionária sem uma religião fundada num Deus que ouve o clamor e liberta o seu povo. Com isso, os tributos que eram pagos e que asseguravam a escravidão eram agora destinados a Deus que participava da vida do povo.


1.3 Surgem os Reis sobre as tribos de Israel
Devido a grande corrupção dos juízes na administração da justiça; à produção que começa a gerar excedente, promovendo a desigualdade entre o povo; e ainda a pressão dos filisteus vindos do mar para implantar-se nas planícies; surge o clima favorável para a centralização política na segunda metade do século XI sobre o título de rei (melek).
Inicialmente, Saul que reúne um exército e combate os filisteus. Porém, ele não possui um sacerdócio oficial, nem um aparelho civil desenvolvido para cobrar impostos. Diferentemente dos cananeus, o rei não era um soberano absoluto, pois o rei supremo era Javé.
Davi, além de militar era um líder político que mudou profundamente a nação. O fato importante de sua história consiste na tomada da cidade de Jerusalém. Além da privilegiada situação geográfica e estratégica para a defesa, Davi a conquistou com seu próprio exercito, fazendo ela a sua cidade. Além disso, ela contava com um desenvolvido sistema monárquico que acabou se tornando os pilares do governo do novo rei de Israel. Contudo, Dabi coquistou um império para assim sustentar um significativo sistema de Estado sem impor tributos a Israel. Também Davi provocou uma profunda transformação teológica na religião: trouxe a arca da aliança para a sua cidade tentando assim justificar o seu poder divino, como um aliança não mais entre Javé e o seu povo, mas entre Javé e Davi, o guardião do povo.
Com Salomão, o governo da nação tornou-se piramidal. Além dos tributos em bens materiais ao povo de Israel, ele ainda introduziu o tributo em trabalhos forçados, a corvéia. Diante disso, o templo fora construído e a riqueza e o lucro atingiram as mais altas proporções, porém ambas as custas da exploração do povo. “O Javé de Salomão não é o mesmo Deus que ouvira o clamor dos oprimidos no Egito. O Deus dos pobres fora capturado pelos seus dominadores para servir de legitimação da opressão infligida aos camponeses de Israel” (p. 34).


1.4 Revolta das tribos contra a dinastia davídica
Antes da morte de Salomão, houve um levante – que acabou sendo um fracasso – das tribos encabeçado por Jeroboão de Efraim. Porém, com a morte de Salomão, e o descontentamento das tribos, Jeroboão encontrou um terreno fecundo para seu governo.
Roboão, o filho de Salomão se recusa a seguir os pedidos dos anciãos em aliviar a servidão do povo (1Rs 12, 4). Deste modo, as tribos de Israel proclamam Jeroboão como rei que fez de Siquém sua capital inicial, e mais tarde Tersa.
Jeroboão estava se transformando numa liderança militar do tipo de Saul. Era responsável pelo exército de Israel, porém não controlava um sistema de arrecadação de tributos com sua respectiva burocracia civil. Tampouco mantinha um templo e o sacerdócio dependentes da coroa. Assim, não havia opressão, visto que o rei não possuía legitimação religiosa como o rei de Judá. Contudo, os profetas ainda irão apoiar Jeroboão pois era um levante contra a opressão.


1.5 A dinastia de Amri (884-841 a.C.)
Este constituiu um período negro da história de Israel. Um tempo onde os reis quiseram, por razões de estado, separar o povo de sua fidelidade exclusiva a Javé. Aparece aqui os profetas Elias e Elizeu para fazer frente a esta crise.
Amri era um chefe militar que acabou tendo usa série de desafios para enfrentar: Judá, no sul, conquistara todo o território de Benjamim e parte de Efraim; ainda se aliara aos arameus de Damasco para fazer frente a Israel. A maior parte da Galiléia e da Transjordânia estava agora nas mãos dos amorreus. Tudo isso, impelia Amri a uma tensão e recuperação dos territórios perdidos. Para atingir tal objetivo, ele consolidou uma política de fortalecimento interno e de alianças externas. “A estratégia política de Amri e sua linhagem foi praticamente uma: estabelecer em Samaria, sua capital, um culto oficial a Baal, sem impedir que os santuários de Javé em Betel e Dã continuassem funcionando. Baal seria o deus da Samaria e Javé o deus das tribos” (p. 46).
O propósito de Amri era estabelecer em Israel uma nação segundo o modelo cananeu. Elias e depois de sua morte Elizeu, profetas de Javé, foram os líderes da oposição. Prepararam a queda dos amridas em 841 a.C.


1.6 A dinastia de Jeú (841-752 a.C.) Ortodoxia e exploração
A dinastia Amri cai com um golpe militar extraordinariamente sangrento, dirigido por um certo Jeú. Com o apoio do profeta Elizeu, Jeú elimina da Samaria o culto a Baal, matando seus sacerdotes e profetas, e também expurgando aqueles que de identificavam com o culto a Baal. Restou a Jeú decidir oque fazer com a capital de Amri, Samaria, já que ela era de estilo praticamente cananeu. Assim, com uma capital o estado de Israel tornara-se muito mais forte que o de Jeroboão, no principio.
Porém, havia aqui um dado novo. Os profetas podiam de acordo com a vontade de Javé, retirar o seu apoio ao rei. Porém, o sacerdócio de Javé estava em Betel e estes se sentiam endividados ao rei pela restauração feita após a perseguição da dinastia Amri. Apenas a voz de Amós se ousa em denunciar as injustiças do rei.
Anos mais tarde, surgia o último grande profeta de Israel, Oséias. Para ele a existência de um governo monárquico em Israel era simplesmente a manifestação de um problema cuja causa era mais profunda: a busca desenfreada de bens materiais. A vida de Israel reduzira-se (prostituição) a uma corrida ao trigo, mosto, azeite, prata, lã e linho, sem reconhecer que a provisão estável para as necessidades da vida provinha da justiça e do culto a Javé.


1.7 Enquanto isto, o reduto davídico, Judá
Desde a rebelião das tribos contra a casa de Davi (931 a.C.) até a destruição da Samaria (722 a.C.), a antiga tribo de Judá manteve-se como um pequeno estado à parte. Com a incorporação dos territórios de Israel ao sistema Assírio e com a dispersão forçada dos lideres da Samaria, Judá tornou-se o único vinculo histórico com a experiência revolucionária das tribos de Israel.
No livro das Crônicas, quase tudo que diz respeito ao reino de Israel é omitido. É a história do reino de Judá como verdadeiro Israel e de Jerusalém como cidade santa. O reino de Israel é considerado apóstata desde o inicio por ter-se rebelado contra Davi, o eleito de Javé.


1.8 Os profetas no final do século VIII em Judá
No reino de Israel uma série importante de profetas se sucederam. Depois da sua queda, surgiram pela primeira vez profetas importantes em Judá. Houve dois grandes profetas cujas tendências apresentam grandes diferenças, um da capital e outro do campo.
Isaías era de Jerusalém. Condenou os latifundiários do país (Is 5, 8), os governantes que não faziam justiça aos fracos (Is 10, 1-4). Era-lhe particularmente detestável o fato de as lideranças se apresentarem como gente muito religiosa, consagrada a Javé, enquanto viviam da exploração do povo (Is 1, 10-17). Porém, a inovação encontrada em Isaías é que para ele o marco referencial de sua atividade era a teologia davídica e não tanto o êxodo. A esperança para o povo de Israel (Judá) é a vinda de um rei bom, o Messias, que salvará o povo.
Miquéias foi um profeta camponês e o mais radicalmente popular de todos os profetas da Bíblia. Segundo seu modo de ver, os chefes se alimentavam da carne do povo (Mq 3, 1-4). Pecado não eram as más obras dos governantes, mas a própria existência da cidade de Jerusalém (Mq 1, 5 LXX). Aqui se nota como o campo sofria as conseqüências da exploração da cidade. Assim, o povo deverá atrever-se, em nome do Javé do êxodo,a destruir o templo que os sacerdotes diziam ser a morada de Javé e matar os reis que os sacerdotes diziam ser os eleitos de Javé para “apascentar” seu povo. Isto significa um retorno ousado e revolucionário ao Deus de Moisés.


1.9 A Palestina sob a hegemonia assíria (738-630 a.C.)
A Assíria estabeleceu como uma de suas prioridades controlar todo o acesso terrestre ao Egito. Para assegurar o controle desta rota, era também necessário do ponto de vista do império ter regimes amigos nas serras da Palestina onde estavam os reinos de Israel e Judá.
Após um confronto, Israel é reduzida à montanha de Efraim em torno da capital Samaria. No ano de 722, sendo rei Sargão II, a cidade de Samaria foi capturada, sitiada e convertida numa nova província. Israel ficou divido em quatro províncias assírias. Judá em 734, converteu-se em um reinado satélite que rendia tributos a Assíria e se submetia à sua política exterior. Porém, após a campanha de Senaquerib em 701, fica para o reino avassalado de Jerusalém (Judá) somente a cidade e seus arredores. O restante foi divido entre os reinos filisteus de Acaron, Ascalon e Gaza.
Israel ficou desde a queda da Samaria em 722 totalmente incorporado a Assíria, e Judá desde 734 submisso como reino vassalo. Sua margem de negociação diminuiu quando foi reduzido praticamente a sua capital em 701. Com esta incorporação do território de Israel ao império assírio, ficou Judá como o herdeiro da identidade nacional e religiosa do povo que se conhecia como povo de Javé.


1.10 O Projeto de um novo Israel (640-609 a.C.)
Com o colapso do poderio assírio, os dirigentes da sociedade judaica fizeram um significativo esforço para restaurar Israel. Foi a chamada Reforma de Josias. Os textos de 2Rs 22, 8-10 e 2Cr 34, 14-18 informam que a política renovadora de Josias foi inspirada no “livro da Lei” (Deuteronômio) encontrado no templo. Josias procurou legitimar o reino sobre uma Aliança entre Javé, o rei e o povo (2Rs 23, 1-3), onde o rei assumia o papel de intermediário e fiador da aliança. Assim, o agente capaz de executar as profundas reformas sugeridas pelo livro da aliança não podia ser outro senão o rei de Jerusalém.
Surpreendente é que Jeremias denuncia a reforma de Josias como uma conversão só aparente (Jr 3, 6-13). Samaria, diz ele, foi mais honesta que Jerusalém, pois nunca pretendeu converter-se. A conversão de Jerusalém é mentirosa, pois a injustiça continua sendo a base da vida nacional. Com a diferença de que agora pretendem ter Javé de seu lado. Converteram o templo escolhido por Javé em um covil de ladrões! (Jr 7, 11).


1.11 O período de hegemonia babilônica (605-539 a.C.)
Com a morte de Josias em mãos do rei do Egito em 609 (2Rs 23, 29-30), o Egito extorquiu tributos do país por quatro anos. Em 605, Egito e Babilônia, disputam o controle da Síria e da Palestina. Babilônia derrotou o exército egípcio na batalha de Carquemis, tornando-se assim, a nova potência hegemônica na Palestina.
Judá começa então a pagar tributos a Babilônia. Mas pouco antes da morte do rei Joaquim, em 598, Judá parou de pagar os tributos. Como punição, Nabucodonosor levou o rei (filho de Joaquim) e a família real para a Babilônia e deixou Sedecias, tio de rei, como governante. Sedecias ambicionava tornar independente a Palestina sob a liderança de Judá. Para isso, convocou os reis dos povos súditos de Edom, Moab, Amon, Tiro e Sidônia (Jr 27, 2-3). O resultado foi desastroso. Nabucodonosor, sitiou Jerusalém tomando-a no ano 586. Destruíram os muros e seu templo e incendiaram a cidade para torná-la inabitável. Assim, Judá estava completamente desorganizada. Segundo parece, acabou sendo anexada a província de Samaria, depois do assassinato de Godolias.
Os deportados da Babilônia esperavam a restauração de Joaquim ao trono, Jeremias foi um desmancha-prazeres, pois urgiu que se radicassem naquela terra de onde não regressariam senão depois de setenta anos (Jr 29). Jeremias via a salvação do povo através do distanciamento da casa de Davi e do sacerdócio de Jerusalém sob a proteção da Babilônia. Um estado soberano e uma sólida amarração com as classes populares seria o projeto necessário a longo prazo. A curto prazo, para livrar o povo do governo davídico que não respondia aos seus interesses, podemos citar esta análise de Jeremias.
A colônia de israelitas que viviam na Babilônia não deixaram de sonhar com seu regresso a Jerusalém. Seus sentimentos de nostalgia se recolhem belamente no triste canto do Salmo 137. Assim, surge o Dêutero-Isaías ou Segunda Isaías, afirmando o propósito de Javé em restaurar sua terra. As importantes promessas eternas feitas a Davi se cumprirão não em um novo rei mas em uma nova situação paradisíaca para todo o povo (Is 55, 1-3). Seus sofrimentos tem uma função salvífica. As nações irão maravilhar-se e crerão quando Javé exaltar o servo antes castigado (Is 52, 13 – 53, 12).


1.12 O período da hegemonia persa (539-332 a.C.)
Em 539, Ciro entra na cidade da Babilônia. Encontra, entre outros, a comunidade dos descendentes dos cativos trazidos de Jerusalém por Nabucodonosor. Assim, promulgou um edito que autoriza a reconstrução do templo de Jerusalém. Deste modo, o novo templo era construído pelos exilados, que questionaram a legitimidade dos que viviam na Palestina. As genealogias eram armas que os exilados esgrimavam contra os israelitas do país.
A nível ideológico este conflito de poder é percebido nitidamente nas profecias da época. Pelo lado dos exilados, encontramos os profetas Ageu e Zacarias que apoiaram com suas profecias a reconstrução do templo. Pelo lado oposto, o lado dos que estavam sendo excluídos de participação nesse projeto, se situam os profetas anônimos, cujas profecias foram recolhidas no livro de Isaías (Is 56 – 66, conhecido por todos como o “Trito-Isaías”).
Inicialmente pelos profetas que falaram pelo povo, negam qualquer interesse de Javé pelo templo que a Golá (exilados, segundo a terminologia hebraica) está construindo, pois Javé é o criador de tudo e não necessita dele. O jejum desejado por Javé é libertar os oprimidos e alimentar os famintos, e não o inclinar a cabeça como juncos; isto não lhe consegue a atenção. Javé é um Deus que habita nas alturas mas também com os oprimidos e humildes da terá (Is 57, 15). As genealogias são contrapostas pois Javé aceita até eunucos (Is 56, 1-7) que guardam o sábado e a aliança.
Pelo lado da Golá os profetas Ageu e Zacarias deram grande impulso a construção, interpretando as limitações econômicas como resultado das suas poucas ofertas e seus fracos esforços em prol desta causa. Ageu via em Zorobabel o comissário responsável pela obra ante o império, um novo Davi escolhido por Javé como sinete para “destruir o poder das nações”.
No ano 20 de Artaxerxes (445 a.C.), o rei enviou a Jerusalém Neemias, um israelita de sua confiança, com uma missão bastante ampla. Devia reconstruir os muros de Jerusalém, povoar a cidade e tomar as medidas civis necessárias para consolidar a região. Judá ficou assim separada da Samaria, com sua própria administração (persa).


1.13 O período da dominação helenística (332-167 a.C.)
Alexandre Magno em sua passagem pela Palestina em campanha para conquistar o Egito conseguiu sem grandes dificuldades submeter ao seu controle as províncias pertencentes à Pérsia. O domínio de Alexandre mesmo foi breve, pois morreu na Babilônia em 323 a.C. A partir do ano 301 a Palestina ficou submetida definitivamente aos reis helenísticos instalados no Egito, os ptolomeus. Este domínio dos ptolomeus durante um século deu à Palestina um dos mais longos períodos de paz que jamais conheceu em sua história. Foi, contudo, um tempo de exploração econômica muito aperfeiçoada.
Vale lembrar que as cidades não foram colonizadas somente por soldados, mas também por civis gregos ou helenizados. Através deles os ptolomeus podiam controlar a população nativa e explorar mais intensamente a agricultura. Assim, Jerusalém tornou-se uma cidade sacerdotal à frente da “etnia” judaica. O sumo sacerdote assumiu funções administrativas, assessorado por um conselho de notáveis chamado “gerusia” (e que nos tempos de Herodes recebeu o nome de Sinédrio).
A única obra bíblica situada com segurança no período helenístico é o Eclesiástico, uma magnífica produção literária que reflete a serenidade e confiança com que a aristocracia judaica podia enfrentar os perigos do momento.


1.14 A insurreição macabéia e o governo hasmoneu (167-63 a.C.)
Entre os anos 167 a.C. e 63 a.C. a história de Israel está marcada pela atividade da dinâmica família dos hasmoneus. Eles levaram os israelitas primeiro a rebelar-se contra as leis opressivas dos selêucidas que atentavam contra as leis de Deus e depois coroaram sua atividade com a conquista de todos os territórios dos antigos reinos de Judá e Israel. A família dos hasmoneus era composta por sacerdotes levitas (não aaronitas), residentes no povoado de Modin na costa ocidental da cordilheira central da Palestina. O poder tanto civil quanto religioso permaneceu com os hasmoneus até a invasão de Pompeu no ano 63 a.C. Eles tinham a intenção cada vez mais clara de restaurar a nação de Israel segundo o modelo davídico.
A política hasmonéia pretendia, à força das armas, restaurar a religião de Javé. Tinham seguramente muito apoio popular. Na ótica popular, o mais importante da sua administração foi sua atuação nas cidades helenísticas. Estas foram integradas à força à nação governada desde Jerusalém pelo sumo sacerdote de Javé (que também era, de forma secundária, rei). A cidade que não aceitasse essas condições, totalmente opostas aos costumes gregos, era destruída e seus habitantes passados à espada, como acontecera com Péla nos tempos de Alexandre Janeu (Flávio Josefo, Ant XIII, 397).


1.15 O período de dominação romana sobre Israel (63 a.C a 135 d. C.)
Com tudo isso se preparou o terreno para se entender os dois últimos séculos de Israel, de 63 a.C. a 135 d.C., séculos de intensas lutas populares que terminaram com a morte violenta de Israel em mãos da repressão brutal das legiões romanas. De Israel sobreviveu à hecatombe somente a “diáspora”, uma grande comunidade religiosa dispersa pelo mundo todo, desarraigada do seu solo e da natureza camponesa que constituía a essência do projeto israelita. Também sobreviveu outra comunidade religiosa, a Igreja cristã, que tem suas raízes em Israel, mas que igualmente perdeu suas bases camponesas.
Durante os duzentos anos do domínio romano sobre Israel até seu desaparecimento definitivo, houve muita troca na administração da região. Uma das preocupações dos romanos foi a defesa da fronteira oriental do império. Durante todo esse tempo o inimigo principal de Roma foram os partos de além do Eufrates.
Um dos propósitos do império em seu controle sobre o território e a população da Palestina era obter riquezas através de um complexo sistema de tributos e impostos. Assim, o império extraia riqueza da Palestina por três vias: 1) diretamente, mediante os cobradores de impostos que arrecadavam tributo de toda a população; 2)mediante os conselhos das cidades, que eram obrigados a contribuir para vários serviços que lhes prestava o Estado; 3) mediante o templo, por cujos rendimentos as autoridades sempre mantiveram um especial interesse.
Ao longo dos anos 6-135 d.C., devemos entender os muitos conflitos havidos como expressões de um único movimento popular que não conseguiu articular-se atrás de uma “vangarda” senão nos últimos anos, quando Simão Bar-Kokba (= Bar Cosiba) o dirigiu até sua destruição pela força das armas romanas.
Por volta do ano 30 d.C, surgiu na Galiléia um movimento em torno de um mestre de Nazaré chamado Jesus. Conhcemo-lo através de quatro Evangelhos que foram escritos fora da Palestina, por seguidores interessados em Jesus não como líder popular e sim como fundador de um novo caminho rumo a Deus e à salvação aberta para todos, judeus e gentios. Destacam-se vários elementos no movimento de Jesus: primeiro e antes de tudo, viu o templo de Jerusalém e os mestres fariseus da Galiléia como o antagonismo principal ao Reino de Deus. Em segundo lugar, a estratégia do movimento de Jesus foi atacar no plano ideológico, buscando deslegitimar um domínio sustentado acima da lei de Deus. Deus é um pai bondoso e não um juiz temível. Em terceiro lugar, Jesus buscava desde já criar uma pequena comunidade que se organize segundo as relações de irmandade que caracterizarão o Reino de Deus. Depois da perseguição dos romanos, o movimento de Jesus não teve papel de importância na defesa de Jerusalém. Foi obrigado a sair de Jerusalém, sobrevivendo nas cidades do império, onde se formaram “igrejas” para pôr em pratica a esperança popular do movimento.
Com a queda de Jerusalém a rebelião contra o império perdeu toda possibilidade de êxito. Os líderes revolucionários e populares puderam aglutinar uma grande massa e efetuar uma guerra de grande envergadura. O decisivo, porém, na derrota das forças populares foi o poderio incomensuravelmente superior das legiões romanas, que terminou esmagando toda resistência. As medidas dos romanos conseguiram eliminar da Palestina os restos do experimento Israel. Cidades helenísticas dominaram o território, os centros religiosos e culturais de Israel foram destruídos, e a identidade cultural dos camponeses foi rapidamente eliminada. Aqui termina a história de Israel, o povo de Javé.


2 APRECIAÇÃO CRITICA
A obra passa de forma sintética, objetiva e clara por todo o período da história de Israel. Desta forma, apresenta um excelente guia para, de forma geral, conhecer as fases e períodos desta história. Apresenta uma reflexão sobre os modos de produção controlados pelos regimes monárquicos, enfatizando o papel da religião para tal situação. E ainda apresenta um pouco da literatura desenvolvida nestes períodos.
Servindo-se da linha cronológica o autor vai demonstrando as causas e conseqüências dos períodos da história de Israel. Desta forma, utiliza-se de uma linguagem simples e de fácil compreensão que ajuda o leitor na clareza das idéias. Contudo, sua simplificação acaba prejudicando a profundidade e cientificidade do texto – problema que parece não ser a preocupação do autor. Com isso, o texto torna-se insuficiente, ou ao menos pouco recomendável para uma pesquisa cientifica.
Porém, isso não tira os méritos da obra. Com ele, a história de Israel torna-se mais acessível a uma população mais simples e que não dispõe com imensa capacidade de uma ferramenta de reflexão critica, filosófica, sociológica e teológica. Além disso, a obra se porta como uma abordagem panorâmica (e atinge com moderado louvor) de toda a história de Israel, suscitando no leitor o interesse pela pesquisa mais intensa sobre o assunto.
Suas reflexões sociológicas sobre os modos de produção são, além de interessantes, o bojo da obra – visto que o próprio título da obra acentua a abordagem da história a partir da classe dos pobres. Deste modo, o livro tem o seu destaque em relação às demais fontes de história. Esta analise consegue, no entanto, explicar com exatidão as mudanças e as situações ocorridas em Israel ao longo de sua história. Além é claro das interferências provocadas pelo templo dentro da sociedade e as revoltas populares contra este regime. Porém, sua analise poderia ter ido mais fundo e buscado não apenas os critérios religiosos e políticos, mas também econômicos, sociais, históricos e filosóficos (no sentido de ideológicos).
Seu enfoque sobre a produção literária é bem significativo e consegue exprimir de modo sucinto a gênese das correntes literárias do antigo testamento. Apoiado na reflexão sociológica, mostra como o meio social marca de forma significativa o modo de pensar, de agir e de escrever de uma sociedade. Além de mostrar os objetivos e finalidades de cada texto.


BIBLIOGRAFIA
PIXLEY, Jorge. A História de Israel a partir dos pobres. São Paulo: Ed. Loyola, 2002.

Resumo: Unidade Conceitual

O SENTIDO DA RELIGIÃO PARA A EXPERIÊNCIA HUMANA


1.1 Religião: Fruto da existência humana concreta

Para entender a religião é preciso entender a relação entre Deus e o homem ao longo de sua existência. Pois, o ser humano ao tomar consciência de si mesmo, da sua vida concreta, das suas limitações e fragilidades entre em contato com três realidades:

A primeira da Facticidade, ou seja, o ser humano percebe que é um fato, um dado. Ele toma consciência que ele foi feito, pois o seu existir não é postulada por si mesmo, mas sim, dada por alguém. Se eu recebi de alguém significa que a vida não me pertence, pois pertence verdadeiramente a quem me fez. Com isso o ser humano percebe a sua limitação, a sua contingência, a sua fraqueza[1].

A segunda realidade consiste na Transcendência, pois o ser humano percebe que não é tudo, agora, o que pode ser[2]. Percebe que o espaço existencial não se esgota com os espaços do objeto. O homem não é um objeto no mundo, mas um sujeito da história. Contudo, é um sujeito inacabado, um projeto[3], ou seja, é um ser que se lança pra frente de si mesmo. Assim, a transcendência constituí um caminho de busca à Deus, pois se algo é inacabado é porque pode vir a acabar. Frankl afirma: “Ser homem necessariamente implica uma ultrapassagem. Transcender a si próprio é a essência mesma do existir humano”. (1990, p. 11).

A terceira dimensão consiste na Exigência da Inteligibilidade[4], ou o porquê e o para quê de toda realidade. Pela experiência imediata das coisas o ser humano não consegue perceber a sutileza do que está oculto na realidade. Existe verdadeiramente, algo mais profundo e intenso que a realidade em si. Assim, o ser humano é chamado também a significar a realidade. Dar um valor não somente às coisas, mas também ao seu próprio existir no mundo. Assim apresenta Imoda (1996, p. 64):

A busca de Deus por parte do homem está também baseada na inevitável busca de significado, sem o qual a vida não tem a direção, a unidade e o sentido necessários para viver. Tal busca está contida implicitamente na tendência à felicidade. A falta absoluta de significado conduz ao suicídio. Sem um absoluto, no qual ancorar a busca de sentido e de significado, os significados parciais não conferem unidade à vida, ainda que a pessoa possa conferir significado absoluto aos significados que não o possuem. Deus, então, é buscado e encontrado como ídolo.

Assim, a experiência religiosa se apresenta como um dado concreto do próprio existir humano. É possível notar que a resposta do homem frente a sua relação com Deus é um dado universal[5] e, portanto objetivo. Deste modo, é possível falar numa fenomenologia da religião, ou seja, num estudo que se utiliza de um instrumental fenomenológico para entender o fator religioso sem conceitos previamente estabelecidos.

A busca do homem por Deus, pelo Absoluto é refletida na Religião. É a dimensão do conflito entre limitação e perfeição, sagrado e profano, pecado e graça, virtude e mal, contingente e necessário que aparece a tentativa do homem de se aproximar daquilo que lhe é totalmente outro, absolutamente transcendente, ou seja, surge a religião. Segundo Cícero, religião vem de Re + Legere, que seria um reler, ou seja, uma reflexão, meditação sobre o profundo, é um recolhimento de si próprio, é a busca de uma interioridade. Para Lactâncio, seria um Re + Ligare, ou seja, a re-ligação entre o ser humano e Deus rompida pelo pecado, pelo mal. É a abertura ao transcendente. Estes termos ajudam a entender a religião e conceituá-la como um desejo de homem de responder aos desafios presentes.


1.2 O Sagrado

O Sagrado é uma categoria do domínio religioso. É a fonte viva de todas as religiões e refere-se ao mais absoluto bem, beleza, poder, etc... É o infinito, o santo dos santos, é inefável. Por isso as categorias que são usadas para descrevê-lo são sempre imprecisas e insignificantes perto do objeto que as corresponde. Assim, destacam-se três elementos do sagrado, segundo Otto:

Tremendum: O sagrado é um mistério que causa arrepios. O ser humano diante do sagrado se sente aniquilado diante de um poder majestoso e infinitamente superior ao ser humano. É um terror místico que arrebata a pessoa da sua realidade fazendo com que ela se sinta incapaz e impotente diante deste ser tão absoluto e tão poderoso[6].

Mysterium: O sagrado é também misterioso, pois é um totalmente outro. Assim, ele é absolutamente fora do domínio das coisas habituais. É inatingível e incompreensível, transcendente em relação a qualquer categoria humana. Deste modo, ele se torna também paradoxal, não somente por ultrapassar as categorias humanas, mas por muitas vezes opor-se a elas suprimindo-as e confundindo-as. É também antinômico, pois produz enunciações não somente contrarias à razão e as suas próprias leis e normas que acabam concordando entre si.

Fascinans: É um mistério que exerce uma atração particular, é o maravilhoso que seduz, arrasta, arrebata, produz delírio e inebriamento[7]. Aqui ele se expressa de 3 modos: o “excesso”, onde o mistério assim experimentado proporciona uma bem-aventurança, indefinível, inexprimível, apenas compreensível por quem faz a experiência viva, excessiva. Esse elemento do excesso, mais do que as noções de amor e confiança, é explicado pelo arrebatamento. A “solenidade”, que constitui o elemento de elevação da alma para o sagrado que pode encher a alma e dar-lhe uma paz indizível. E o “hiperbólico” que são experiências de grandeza inestimável como a conversão, a regeneração e a graça.

A pessoa tem uma consciência (autoconsciência) de que ele em paralelo com o sagrado (Santo) é profano (pequenez)[8]. É dessa experiência que vai surgir a consciência do pecado. Por outro lado, vem a consagração que é a entrega confiante ao sanctum; uma aproximação que faz daquele que se aproxima (momentaneamente) também numinoso pelos dons do próprio numem. Também a expiação que consiste na consciência da profanidade que provoca um desejo de lavar-se da sujeira para estar perto do numem de modo mais puro e digno[9].


1.3 O Espaço e o Tempo Sagrado

O sagrado revela a realidade absoluta e torna possível a orientação: funda o mundo, no sentido que fixa os limites e assim, estabelece a ordem cósmica. Marca também a interrupção do tempo ordinário pela entrada da eternidade.

Espaço: O homem tem necessidade de diferenciar o espaço. Assim, o espaço não é homogêneo. É necessário criar[10] o espaço e isso à partir de um centro. Por isso, a consagração de um território equivale à sua cosmização, onde o rito reproduz a obra dos deuses de criar à partir do caos. Além disso, o centro do mundo[11] é o lugar mais próximo do céu. Deste modo, o mundo deixa-se perceber como Mundo, como cosmos, à medida que se revela como mundo sagrado[12].

Tempo: Trata-se de um tempo primordial, santificado pelos deuses e suscetível de tornar-se presente pela festa (Trata-se do confronto entre o Cronos e o Kairós). Deste modo, o tempo sagrado é uma experiência litúrgica. O homem religioso repete a cada ano a cosmogonia[13]. A repetição festiva da cosmogonia regenera o que foi desgastado ou está ameaçado[14]. Nas sociedades tradicionais a cura é recriação pela repetição simbólica na cosmogonia. Para o homem religioso é o tempo sagrado que torna possível o tempo profano. Na festa reencontra-se a dimensão sagrada da vida. No tempo profano, corre-se o risco de se esquecer que a existência é dom de Deus. Sem esta consciência, a sobrevivência é apenas luta e esforço sem sentido.


1.4 A linguagem religiosa: o Mito

As mitologias dizem, mais do que as ciências e as filosofias, junto com as religiões, os grandes paradigmas da essência humana. Os mitos não são palavras[15] passadas, mas sentido atual que traduz fenômenos profundos, indescritíveis pela razão analítica.

Para Eliade, o mito fala de nossa condição em relação a algo que nos ultrapassa. O mito conta uma história sagrada acontecida no inicio do tempo e por isso revela um mistério. “Por todos os seus comportamentos, o homem religioso proclama que só acredita no Ser e que sua participação no Ser lhe é afiançada pela revelação primordial da qual ele é o guardião. A soma das revelações primordiais é constituída por seus mitos” (2001, p. 84). O mito narrando a origem de uma cidade, de uma instituição humana, responde sempre à pergunta sobre o sentido.

Em resumo, a reatualização dos mitos revela o esforço do homem religioso em se aproximar dos deuses e participar do Ser. A imitação dos modelos divinos exprime seu desejo de santidade e sua nostalgia ontológica. Quando nas sociedades mais evoluídas se perdem os padrões tradicionais, a repetição se esvazia de seu conteúdo e conduz a uma visão pessimista da vida.


1.5 O sofrimento: a arte da magia e o poder da fé

Magia: É importante destacar na magia o elemento puramente humano[16]. São crenças e expectativas baseadas na força mental escondida no ser humano. São crenças adormecidas nas misteriosas possibilidades do homem. Assim, a magia possui o rito de imitar a sua finalidade com a plena esperança da sua concretização[17]. Também existe um conhecimento mágico que forma o rito e garante a tradição mágica, expressa na fórmula da magia. A tradição, o rito e a fórmula possuem, portanto uma rigidez que mantêm a força da esperança mágica. Por fim, também a magia nasce das situações concretas da existência humana[18]. Diante da impotência diante do mundo, a magia produz atividades substitutivas que confere sentido a um fim. Por fim, a magia é um desejo profundo do interior do homem de conseguir com suas próprias forças um fim determinado.

: A fé é uma pré-disposição para encarar a vida. É uma postura diante de situações onde o homem não consegue resolvê-las de modo imediato. Acredita que as forças humanas não são suficientes para resolver algumas situações. Assim, encontra espaço para a manifestação do transcendente, que possui um poder infinitamente superior ao humano. Igualmente a magia, a fé nasce da experiência concreta da vida, porém desacredita na força do humano. A verdade é que ambas possuem um papel fundamental diante da realidade humana: ambas resgatam o otimismo diante da existência e a crença de que o amanhã será melhor.


BIBLIOGRAFIA

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Tradução de Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FRANKL, Vicktor Emil. Psicoterapia para todos: uma psicoterapia coletiva para contrapor-se à neurose coletiva. Tradução de Antônio Estevão Allgayer. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1990. Título original: Psychotherapie für den Laien.

FRANKL, Vicktor Emil. A presença ignorada de Deus. 6. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

GRÜN, Anselm. O céu começa em você: a sabedoria dos padres do deserto para hoje. Tradução de Renato Kirchner. 10. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. Título original: Der Himmel beginnt in dir: Das Wissen der Wüstenväter für heute.

IMODA, Franco. Psicologia e mistério: o desenvolvimento humano. Tradução de Adalto Luiz Chitolina e Matthias J. A. Han. São Paulo: Paulinas, 1996. Título original: Sviluppo umano: psicologia e mistero.

MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. Tradução de Maria Georgina Segurado. Lisboa: Edições 70, 1984. Título original: Magic, Science and Religion.

OTTO, Rudolf. O Sagrado. Tradução de João Gama. Lisboa: Edições 70, 1992. Título original: Das Heilige

TERESA, Santa de Jesus. Castelo interior ou moradas. 7. ed. São Paulo: Paulus, 1981.

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia Filosófica II. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.



[1] Podemos entender que o ser humano ao perceber a sua limitação encontra duas saídas para o desespero e a angustia da contingência e fragilidade da vida: A religião que o remete ao Criador e o coloca diante do mundo com a perspectiva da esperança e da fé; e o ateísmo que afirma uma auto-suficiência humana. No momento em que escrevo isso ainda não estudei os pontos do ateísmo proposto para o curso.

[2] Esta idéia é apresentada por Henrique de Lima Vaz (2001, p. 191) ao afirmar o seu conceito de pessoa como um evento de essencialidade existencial, ou seja, a maravilha de desenvolver a sua própria essência ao longo da existência concreta: “A Pessoa é, assim, designada necessariamente pelo momento conceptual da singularidade na ordem de inteligibilidade do discurso para-nós. Ela surge ao termo do discurso como a singularidade que suprassume a universalidade da essência pela mediação da particularidade da existência que se realiza na história de cada um. Já na ordem da inteligibilidade em-si, a pessoa, como singularidade, exerce a mediação que faz passar a universalidade da essência na particularidade histórica da existência, ou que fundamenta historicamente esta passagem”.

[3] O sentido da palavra projeto é muito válido neste ponto: Jeto = iactare → iactum = jato → lançar para frente.

[4] O sentido de Intellegere = intus (dentro, intimo) + legere (ler).

[5] Importante destacar que para Frankl a dimensão espiritual precede a própria particularidade racional. Assim, a relação com Deus torna-se uma necessidade do próprio existir humano: “Deus é o parceiro de nossos mais íntimos diálogos conosco mesmos. Sempre que estivermos dialogando conosco na derradeira solidão e honestidade, é legítimo denominar o parceiro destes solilóquios de Deus, independente de nos considerarmos ateístas ou crentes em Deus. Esta diferenciação torna-se irrelevante dentro desta definição operacional. Nossa definição é anterior à bifurcação entre uma cosmovisão teísta ou ateísta. A diferença somente se manifesta quando um lado insiste em considerar as conversas consigo próprio como nada mais do que simples solilóquios, enquanto que o outro lado acredita que, consciente ou inconscientemente, o homem tem um “dia”-logo com alguém distinto de seu próprio eu. Mas será que realmente é tão importante saber se a “solidão última” é apenas uma solidão aparente ou não? A única coisa que importa não seria o fato de ela resultar na “honestidade última”? Se Deus realmente existe, estou convicto de que Ele não levaria a mal se alguém o confundisse com o próprio eu” (2001, p. 90-91).

[6] “A minha essência e a essência de todas as coisas como que desaparecem, perante a sua essência, mais depressa e melhor ainda do que uma velazinha à luz do sol. Deixa de se ver e é superada por uma luz maior, ao ponto de, por assim dizer, já não ser” (OTTO, 1992, p. 33).

[7] O conteúdo qualitativo do numinoso é “por [um lado] outro, e ao mesmo tempo, é algo que exerce uma atração particular, que cativa, fascina e forma, com o elemento repulsivo do tremendum, uma estranha harmonia de contrastes. (...) O mistério não é para ele só espantoso, é também o maravilhoso”. (OTTO, 1992, p. 49-50).

[8] “Acredita-se mesmo ser possível que eu descubra tanto a vontade de Deus quanto minha vocação à partir de mim mesmo, mas isso (...) se unicamente se eu tiver a coragem de rebaixar-me na intenção de ocupar-me com minhas paixões, com meus instintos e com minhas necessidades e desejos. Segundo esta espiritualidade, o caminho para Deus passa por minhas fraquezas e vai ao encontro com minha fraqueza. Na minha fraqueza sou capaz de reconhecer o plano que Deus tem para comigo e o que ele poderá fazer de mim quando ele realizar totalmente sua graça em mim.”. (Grün, 2004, p. 28).

[9] “Torno a dizer: é muito bom, é sumamente bom entrar primeiro no aposento do conhecimento próprio, antes de voar aos outros. É este o caminho. Se podemos ir por estrada segura e plana, porque desejar asas para voar? Tratemos, pelo contrário, de progredir no primeiro aposento, aprofundando o conhecimento de nós mesmas. Se não procurarmos conhecer a Deus, jamais acabaremos de nos conhecer a nos mesmas. Olhando-lhe a grandeza, percebemos nossa abjeção. Contemplando-lhe a pureza, vemos nossa sujeira. Considerando-lhe a humildade, conhecemos como estamos longe de ser humildes.”. (Santa Teresa, 1981, p. 31).

[10] Aqui aparece a dicotomia entre Caos e Cosmos marcando o Caos como o espaço profano e Cosmos como o espaço da nova criação, agora Sagrada.

[11] “Cada homem religioso situa-se ao mesmo tempo no centro do mundo e na origem mesma da realidade absoluta, muito perto da “abertura” que lhe assegura a comunicação com os deuses”. (Eliade, 2001, p. 60).

[12] “A profunda nostalgia do homem religioso é habitar um “mundo divino”, ter uma casa semelhante à “casa dos deuses”, tal qual foi representada mais tarde nos templos e santuários. Em suma, essa nostalgia religiosa exprime o desejo de viver num Cosmos puro e santo, tal como era no começo, quando saiu das mãos do Criador”. (Eliade, 2001, p. 61).

[13] “Para o homem religioso das culturas arcaicas, o Mundo renova-se anualmente, isto é, reencontra a cada novo ano a santidade original, tal como quando saiu das mãos do Criador. (...) É por esta razão que toda criação é imaginada como tendo ocorido no começo do Tempo, in principio” (Eliade, 2001, p. 69).

[14] “Conseqüentemente, o homem religioso reatualiza a cosmogonia não apenas quando “cria” qualquer coisa, mas também quando quer assegurar um reinado feliz a um novo soberano, ou quando necessita salvar as colheitas comprometidas, ou quando se trata de uma guerra, de uma expedição marítima, etc. Acima de tudo, porém, a recitação ritual do mito cosmogonico desempenha um papel importante nas curas, quando se busca a regeneração do ser humano”. (Eliade, 2001, p. 73-74).

[15] Constituem-se de imagens retiradas das profundezas do inconsciente coletivo, acessível a todas as idades e a todos os tempos. São compostos por símbolos poderosos capazes de catalisar energias coletivas, de falar ao profundo das pessoas e mobilizar multidões. Assim, eles estabelecem nexos contando com a dimensão emocional antes que a da lógica.

[16] “A magia não é exclusivamente humana na sua personificação, também o é no seu conteúdo: refere-se principalmente a actividades e estado humanos, à caça, à horticultura, à pesca, ao comércio, ao amor, à doença e à morte. Não está tanto vocacionada para a natureza, antes para a relação do homem com ela, e para as actividades humanas que a afectam” (Malinowski, 1984, p. 79).

[17] “(...) uma maneira ritual e característica de acabar com a fórmula é o feiticeiro baixar o tom de voz, emitir o estertor da morte e cair imitando a sua rigidez”. (Malinowski, 1984, p. 76).

[18] “A magia não nasceu de uma concepção abstrata do poder universal, subsequentemente aplicada a casos concretos. Sem dúvida que surgiu independentemente numa série de situações de facto” (Malinowski, 1984, p. 82).

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Resumo: Teologia na Pós-Modernidade (Félix Pastor)

Resumo apresentado para o professor Paulo Sérgio na disciplina de Deus da Revelação em 2007.
Por: MM
Félix Alejandro Pastor é espanhol de El Ferrol Galícia. Nasceu em 1933 e, em 1950, ingressou na Companhia de Jesus (Jesuítas). Concluiu seus estudos literários em Salamanca, obteve licenciatura em Filosofia pela Universidade de Comillas. Em 1957, iniciou uma experiência pedagógica e apostólica em Belo Horizonte. Iniciou os estudos Teológicos em São Leopoldo e concluiu em Frankfurt (Alemanha). Na Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma) obteve o Doutorado, em 1967, onde, logo em seguida, exerceu o Magistério Teológico colaborando com o Pontifício Colégio Pio Brasileiro de Roma, com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e com a Faculdade de Teologia do Instituto Santo Inácio de Belo Horizonte.
A epistemologia teológica estuda pressupostos e princípios, critérios normas da lógica do saber teológico nos quais o exercício da teologia se torna objeto da própria reflexão. O problema central focalizado emerge da tensão inevitável entre querigma e logos, entre fé e razão. A epistemologia tem por finalidade elaborar pressupostos e princípios, gnoseológicos e hermenêuticos, do conhecimento teológico. Normalmente o discurso se fragmenta em diversos tratados, os quais têm, como parte introdutória, um debate sobre o objeto, o método e o modo de relacionar tal tratado com a totalidade do sistema teológico. Dado o caráter eclesial da teologia, tal proposta não pode esquecer a referência ao fundamento bíblico e eclesial do tratado.
A dupla missão da teologia supõe o anúncio do querigma e o diálogo sobre o significado do mesmo para o existir humano e para a vida de fé. No exercício dessa tarefa, a teologia deve evitar os excessos do fideísmo e do racionalismo, que anulam os direitos da razão e da fé. A razão intuitiva contempla o mistério de Cristo, e a razão dialética argumenta sobre o querigma divino, pressupondo sempre a fé que afirma e aceita a “auctoritas Christi”.
A teologia encontra seu princípio formal no exercício da inteligência da fé, suposta a verdade divina recebida na fé. Trata-se de um momento superior ao mero exercício do lumen rationis. O intellectus fidei supera também o momento do simples auditus fidei, segundo a luz da fé, dado que se engaja no dinamismo de uma fé que procura a própria inteligência . Contudo, a teologia fundamentalmente só pode ser pensada como docta fides, um saber douto sobre a fé. Estando a mesma fé unida à caridade e à eperança, pode-se falar também de uma docta caritas ou de uma docta spes.
O método teológico tem de associar o duplo momento do crer e o pensar. A teologia precisa prestar uma atenção particular ao momento do auditus fidei, recebendo a doutrina revelada na Palavra divina, segundo a Escritura e a tradição; ou seja, estar em íntima relação com o depositum fidei, nos seus desdobramentos teológicos, cristológicos e antropológicos, aprofundando os aspectos objetivos e subjetivos. Uma metodologia correta inclui: o estado da questão do problema com a consideração da história do dogma e da teologia; o debate atual, com o elenco das principais propostas e sentenças; os axiomas teológicos, que orientam nossa proposta; a doutrina bíblica da Palavra divina, que fundamenta nossa proposta; e a regula fidei ou doutrina do magistério eclesial, para corroborar nossa sentença.
A Modernidade indica uma certa tensão dialética, enfatizando a novidade do presente em confronto com o passado, no modo de viver e pensar a religião e a fé. Consideremos alguns momentos da história da teologia, na Antiguidade e na passagem para a Modernidade, a fim de descobrir o processo do método teológico e os diversos paradigmas de articulação da fé e da razão. Na Antiguidade, com o uso do método dialogal, os primeiros apologistas atendiam a problemas dos destinatários, procedentes do mundo judaico ou helenista, convidando-os a achar no Cristo, Logos divino, a verdade subsistente e a sabedoria do eterno, bem como convidou os fiéis a dar razão da própria esperança. A primeira teologia cristã aceitou tal desafio mostrando o modo como à revelação divina responde a desejos da humanidade na procura da verdadeira sabedoria, quando os mitos do paganismo constituíam uma deformação do Logos.
A fidelidade à Tradição apostólica e à sucessão apostólica, à profissão de fé no mesmo credo e a afirmação de fé segundo a mesma doutrina eclesial por parte das igrejas particulares em comunhão com Roma. Na fidelidade ao Cânon das Sagradas Escrituras e ao dogma trinitário, a comunidade eclesial conserva e transmite a mesma experiência de fé.
A comunidade eclesial conhece a relevância do depósito da fé que lhe foi confiado, considerando o talento da fé católica. Talento que foi entregue, não só para ser conservado, mas para frutificar, de modo fiel ao consenso universal sobre a fé. Contudo, para progredir na compreensão da doutrina revelada, é preciso permanecer na fé apostólica. Por conseqüência, devem ser excluídas doutrinas diferentes das transmitidas pela Tradição e conservadas na regra de fé.
Na primeira Modernidade, os nominalistas, com a via moderna, substituíram o processo dedutivo pelo indutivo, e os métodos de integração e de subordinação pelo método de justaposição da razão foi justificado pela doutrina nominalista da potentia absoluta voluntatis divinae, segundo a qual a verdade da revelação pareceria depender exclusivamente do absoluto arbítrio de uma vontade divina indecifrável.
Seguindo essa metodologia dedutiva e analítica, a chamada manualística realizou um trabalho de transmissão doutrinal que sublinhou o aspecto defensivo e uma certa independência entre auctoritas fidei e ratio. Seu discurso teológico partia da doutrina do magistério conciliar e papal, como regula fidei próxima, para, num segundo momento, fundamentar-se na Escritura e na Tradição, como referência principal do depositum fidei. O Concílio Vaticano II mudou tal perspectiva, tornando a Escritura a anima do trabalho teológico.
A separação entre razão e fé aumentou no tempo do Iluminismo. O racionalismo criticou o cristianismo, como religião histórica, por sua pretensão de possuir um caráter absoluto. Fanatismo e intolerância, postular a sua substituição por uma religião nos limites da pura razão, que afirmaria Deus como artífice do Universo, fundamento das leis naturais e morais. Como alternativa ao pensamento racionalista, o fideísmo cristão afirmou a exclusividade do lumen fidei na elaboração do saber teológico. O magistério eclesial rejeitou tanto as formas extremas de racionalismo como as de fideísmo. A igreja permaneceria unida na afirmação do depósito da fé, tanto na doutrina teológica e na ética individual e social, como na espiritualidade e na liturgia. Mas as novas definições e declarações doutrinais, portanto, só poderiam exprimir aquilo que já estava contido de algum modo no depositum fidei.
Em oposição à chamada “Teologia Liberal”, a teologia da Palavra ou da Revelação, de Karl Barth, sublinhou o momento transcendente da experiência religiosa, o personalismo da religião bíblica e o cristocentrismo da revelação escatológica da fé e da teologia. O encontro com o Deus da revelação não poderia acontecer pela via dialética do lumen rationis, na tensão ontológica da analogia do ser, mas na via paradoxal do lumen fidei e da analogia da fé, na crise do encontro com a graça divina que justifica o pescador. A teologia da Palavra se integrou à hermenêutica existencial de Rudolf Bultmann. O método querigmático e a perspectiva hermenêutica se uniram na teologia de E. Fuchs, pensada como “doutrina da linguagem da fé” e na teologia de G. Ebeling, proposta como “doutrina da Palavra de Deus”.
Se a teologia da Palavra preferiria a perspectiva querigmática e sublinhara a distância entre o Deus ignotus da religião e o Deus revelatus, que realiza na graça a justificação pela fé, o método de correlação de Paul Tillich sublinhou a perspectiva dialogal no discurso teológico, bem como a identidade entre o Deus da transcendência na dimensão do incondicionado, e o Deus da irrupção do sagrado, na vivência da revelação cristã. A revelação escatológica acontece no Cristo, a relevância religiosa da mesma, porém, seria verificada somente no eco existencial dos grandes símbolos cristão, confrontados com a própria experiência. Por conseqüência, a teologia deveria considerar ambos os pólos de uma “elipse” bifocal em correlação: a situação humana como problema e a revelação divina como resposta.
Em ambiente católico pela ênfase no imanentismo religioso a sublinhar um momento místico e imediato da experiência do Mistério, que não impediria um segundo momento mediado e lógico, de reflexão teológica. A chamada nouvelle Théologie procurou estabelecer um diálogo teológico com as religiões e com a cultura do humanismo ateu. A perspectiva da trancendência e do mistério não impediu a elaboração de uma teologia da cultura e do trabalho, das realidades terrestres e da política, atendendo a dimensão da autonomia e da secularidade, próprias da modernidade.
Na perspectiva da “virada antropológica” da Modernidade, o método transcendental de Karl Rahner associou uma gnosiologia transcendental à perene meditação do mistério cristão. A atenção para as condições necessárias a priori do sujeito que conhece permitiu descobri a estrutura do ser humano como “espírito no mundo”, situado no espaço e no tempo como liberdade consciente, “ouvinte da Palavra” aberto a uma possível revelação divina e imerso no horizonte divino do Mistério.
O ser humano, criado em Cristo para ser divinizado em Cristo, aberto à transcendência e ao Mistério, é reconhecido como destinatário da auto comunicação divina, que acontece na historia salutis. Na história da graça e da revelação aconteceria a livre autodoação do Pai eterno, que se revela no Filho, Mediador absoluto da revelação e da redenção, como verdade misericordiosa, e se comunica como justiça salvífica e dom de graça no Espírito de santidade. Assim, pois, a Graça vitoriosa não só superaria e repararia o mal na história, mas também recuperaria o desígnio divino, eterno e beatificante.
As teologias da secularização e da morte de Deus sublinharam a dimensão da imanência na experiência religiosa. A salvação foi anunciada como libertação e Cristo passou a ser proclamado senhor do mundo e paradigma do comportamento solidário. O mundo foi assumido na sua autonomia vivida em horizonte de fé. Imerso na profanidade secular, o fiel passou a viver em um mundo que parecia funcionar perfeitamente. Na modernidade muitos fiéis tiveram que suportar uma crise de autenticidade humana e de sinceridade religiosa. Os chamados teólogos da secularização, tanto na experiência religiosa quanto na linguagem teológica, procuraram superar a visão antropomórfica da divindade mediante a aceitação da demitologização e das críticas a todo elemento supersticioso, descobrindo a dimensão de profundidade e ultimidade na qual a criatura humana se abre para o infinito. A ética da responsabilidade e da solidariedade passou a ser valorizada, e o próximo, considerado como “irmão” e “vicário de Jesus”. Segundo os teólogos da “morte de Deus”, o eclipse do sagrado na cidade secular só poderia ser elaborado teologicamente mediante a substituição das categorias de transcendência do platonismo cristão e da dialética da contingência do aristotelismo teológico pela constatação empírica da indiferença religiosa na Modernidade. A crise do teísmo convencional somente seria superada sublinhando a concentração cristocêntrica na reflexão teológica, bem como aceitando a dimensão social e histórica e o compromisso fraterno. O Deus da transcendência fora eclipsado, e em seu lugar surgiu o Deus da imanência, revelado em Cristo, paradigma de uma ética da fraternidade.
A experiência da secularização foi tematizada como contexto de uma nova “teologia natural”, na qual a fé passou a ser vista simultaneamente como confiança na vida e afirmação fiducial, unida ao empenho de luta pela justiça e pela fraternidade entre os seres humanos. Para superar o niilismo e o ateísmo, as teologias da Modernidade procuram novos caminhos, apelando para uma confiança de fundo como base da afirmação de fé, procurando no empenho ético um novo paradigma de transcendência e superando a rivalidade entre liberdade onipotente e liberdade de criatura.
A dimensão da história e do futuro, da esperança e da utopia, constituiu objeto de interesse teológico, quer na elaboração da relação entre salvação e história ou entre história e cristologia, quer na consideração da perspectiva histórica na revelação divina ou na relação entre história e mistério. A Teologia da Esperança sublinhou a tensão do “ainda não”, bem como a dialética do novum.
A “Teologia Política” sublinhou que a dimensão escatológica do cristianismo precisava incidir como religio publica na sociedade. As promessas do Reino não poderiam ser privatizadas; justiça e paz, liberdade e solidariedade, comunhão e fraternidade não poderiam ser vividas de forma meramente individualista. A “Teologia Política”, pensada como moral da mudança social e realizada na história, mas em perspectiva escatológica.
A “teologia da libertação” sublinhou a relevância política do Deus da revelação bíblica como Senhor da libertação dos oprimidos sob a escravidão e como Rei e Senhor de uma aliança de justiça e santidade, que não só condena os pecados de idolatria, como também os de injustiça contra a fraternidade. Na historia salutis, Deus se revelou como Senhor do futuro e da esperança e realizador da libertação de oprimidos e humilhados. Considerando a significação teológica e histórica da revelação bíblica, o “paradigma do êxodo”, de fato, ilumina a reflexão do fiel, e torna o pobre “lugar epistêmico” privilegiado.
Como modo de verificar a doutrina proposta perante o perigo de racionalismo, dado o empirismo, pragmatismo, relativismo e historicismo da Modernidade, será salientado na doutrina eclesial o momento da fé como conteúdo básico da reflexão teológica, quer remotamente como depositum fidei, quer proximamente como regula fidei, bem como a dialética fundamental entre o auditus fidei e o intellectus fidei. tanto na teologia fundamental, com o uso do método querigmático, é necessário articular fé e razão, evitando sempre os extremos do integralismo fideísta e do reducionismo racionalista.
O magistéro lembrou, no Concílio Ecumênico Vaticano I, o dever de afirmar a verdade contida in verbo Dei scripto vel tradito. A Igreja recebeu um mandato divino tanto para custodiar e defender de falsas interpretações o depósito da fé, juntamente com o munus docendi, como para ensinar a verdade divina sem mistura de erro. Por conseqüência, a sentença eclesiástica fixada no dogma, referente ao sentido de uma verdade de fé, não pode ser arbitrariamente mudada. Pio XII ratificou a função normativa exercitada pelo magistério eclesial na conservação do depositum fidei, bem como na formulação ulterior de seu conteúdo doutrinal e de abertura do Concílio Vaticano II, lembrou ao episcopado católico a exigência de tomar o depositum fidei como fundamento da tarefa conciliar, procurando a forma mais adequada para propor ao mundo moderno a substância da doutrina católica, a fim de que fosse escutada e bem aceita.
O povo cristão deve permanecer na doutrina apostólica e na unidade com seus pastores, fiel ao idepositum fidei constituído pela Escritura e pela Tradição. O depósito da fé é definitivo e irreformável, mas o modo de propor suas exigências doutrinais e morais pode e deve ser atualizado, nas novas condições de uma comunidade eclesial que peregrina na história. A Palavra de Deus tem seu lugar próprio de acolhida na fé da comunidade eclesial. A fé da Igreja recebe, guarda, defende, proclama e transmite o depositum fidei. Só na palavra divina encontra-se o fundamento para afirmar a conexão entre doutrina eclesial e revelação divina, e não é possível prescindir nem do testemunho da Tradição nem da função interpretativa do magistério vivo da Igreja. O exercício teológico do auditus fidei deve integrar o testemunho da palavra divina, transmitida na escritura e na Tradição, juntamente com a interpretação autêntica do magistério da Igreja. Contudo, no trabalho de interpretação da Palavra divina, é preciso distinguir entre o depositum fidei contido na traditio fidei, que se manifesta na liturgia e no dogma, na ética e na espiritualidade da comunidade e outras tradições culturais que não fazem parte da revelação divina nem da tradição de fé.
Para poder entender-se a si mesma, a fé supõe uma filosofia coerente e homogênea, e produz, por sua vez uma teologia. A revelação entre fé e cultura filosófica é fundamental para o dialogo com as culturas. A Igreja não impõe um sistema filosófico determinado, mas considera necessário um sistema de pensamento respeitoso da realidade sobre o homem, o mundo e a realidade suprema, Deus. O intellectus fidei deve indicar nos seus enunciados a lógica interna da fé, a coerência de suas diversas proposições, confrontando a própria visão com outras visão alternativas. É também tarefa do intellectus fidei organizar em sistema a pluralidade de enunciados da fé sobre os diversos temas teológicos, mostrando a relevância teórica e vital, pessoal e eclesial dos diversos elementos da experiência de fé, no contexto histórico, cultural e social vivido pela comunidade eclesial. Tarefa da razão teológica é responder ás diversas objeções levantadas pela indiferença religiosa ou por outros argumentos defendidos pelas diversas escolas teológicas. No exercício da reflexão teológica no intellectus fidei, o teólogo deve esclarecer a articulação dos diversos dogmas eclesiais entre si, constituindo uma verdadeira hierachia dogmatum, segundo sua relação com o fundamento da fé.A história da teologia cristã mostra amplamente a utilidade do discurso do método, próprio de uma epistemologia teológica, em ordem a manter o contato com a atualidade histórica, como os novos desafios culturais e religiosos, e também em ordem a conservar a fidelidade ao “deposito da fé”, facilitando a missão eclesial de anunciar com eficácia o Evangelho de Cristo a todos os homens de todos os tempos. Desse imperativo fundamental, nascem, para a teologia, as exigências do “método querigmático” orientado a aprofundar e a defender o mistério cristão, e os deveres do “método dialogal” orientado a conduzir Cristo homens de todos os tempos e culturas.